
Estou perto de Vila de Rei e acabo de ler numa publicação oficial que a albufeira do Castelo de Bode submergiu oito localidades. Mas nem os nomes das aldeias aparecem no texto. Parece que tudo foi esquecido agora que passam mais de sessenta anos sobre os factos. E os factos são que muita gente não aguentou a mudança, enlouqueceu e morreu passado algum tempo. Basta ver o tormento pessoal que constitui na vida de uma pessoa ter de mudar de casa na mesma cidade mesmo que a nova casa se situe na moderna malha urbana e tenha um autocarro a ligar as duas – a antiga e a actual. Vivi numa casa 37 anos e, de repente, sou obrigado a partir com armas e bagagens para outar casa distante 10 quilómetros da antiga. É doloroso mas trata-se de uma troca. No caso das pessoas que viviam nas oito localidades de Vila de Rei, perto das margens do Rio Zêzere, foi mais que doloroso, foi muito pior. As pessoas foram expulsas, foram obrigadas a deixar para trás as suas casas e as suas memórias, os seus objectos e a sua vida, as suas lareiras e os seus quartos de dormir. O tempo político dos anos 50 em Portugal era de chumbo. Quem procurasse reclamar tinha de imediato a ameaça da «ilha do sumiço», nome popular para o Tarrafal em Cabo Verde. De facto muitos portugueses lá morreram porque o médico do campo avisava «Vocês não estão aqui para viver mas sim para morrer». Era o «pântano da morte», aliás o título de um livro do jornalista Cândido de Oliveira. Não se pode comparar; uma pessoa em 2014 na cidade de Lisboa tem a vida em caixotes mas ainda tem os caixotes mas os das aldeias de 1950 em Vila de Rei tinham de sair depressa e procurar a vida noutro lugar mas longe do rio Zêzere onde não era possível repetir as condições de vida das aldeias iniciais. Por isso esta albufeira se encheu de lágrimas. --