
Nesta imagem de Filipe Medeiros a data (1983) veio recordar a minha ligação aos dois poetas que morreram num acidente de viação no Sul de Espanha. Lembro hoje Ivone Chinita. Do seu livro de 1970 («Digo Fome») editado em Angra do Heroísmo fixei o último poema do volume de 34 páginas («Emissor marítimo») deste modo: «últimas informações / do nosso emissor / mar cavado a grosso / fome até ao pescoço». Não tenho o original mas apenas fotocópias onde se percebe que a capa é de Rogério Silva, o pintor. Em «Relatório fragmentado» (1970-1973) estão presentes dois lados da sua vida: a Ilha e a Planície. Um poema ilhéu em excerto: «Quem vier da cidade vira à igreja, pode entrar, a igreja da nossa freguesia é limpa e asseada, tem madeirame para consolar. Sai da igreja, vire à esquina a primeira canada à sua direita.» E um poema alentejano em excerto do livro «Mulher em horas de ponta»: «Veio a ordem de levar meu irmão do meio e nós ficámos todos em casa à volta da mesa maior a olhar uns para os outros, pacientemente. Meu pai lentamente fumava e mastigava pevides secas». Do seu livro «Outra versão da casa» de 1980 segue o excerto de um poema dito «urbano» por ser escrito na cidade, dentro de um amarelo: «Dei-te um bofetão porque cresceste / no eléctrico impaciente assim / a mudares de lugar, a mexer / a mexer, a pagar bilhete». Na minha antologia «O Desporto na Poesia Portuguesa» de 1989 parte do poema sobre o Mundial de 1978, hoje é o Mundial 2014: «É tão dura, rija, firme a educação / que a ternura nos homens dá sopapos / pontapés, palmadas fortes nas costas / só no futebol, perante milhões / os homens têm coragem de afagar-se / estou frente a um écran em busca / de emoções, dez homens / acariciam um deles nos cabelos / só por isto vale a pena o futebol / o golo». José do Carmo Francisco --