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Transporte Sentimental



Quarta-feira, 22.02.17

«guardas de passagem de nível» de carlos cipriano

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Este livro de Carlos Cipriano (n.1963) poderia ter títulos como «Uma cartografia da solidão» ou «A epopeia das mulheres esquecidas». O acidente ferroviário de Alcafache (11-9-1985) deu origem ao livro de João Ricardo Pedro «Um postal de Detroit» e está presente neste trabalho de Carlos Cipriano nas páginas 60 e 72. Considerado no primeiro como «o pior desastre ferroviário» pois «é provável que tenham morrido cerca de 150 pessoas» já neste surge como «o segundo mais grave da história do caminho-de-ferro português» com cerca de 80 vítimas mortais e 170 feridos. O ponto de partida do livro é o retrato das mulheres que, «longe das estações, em modestas casetas à beira da linha, por vezes sem água nem electricidade, cumpriam turnos de 12 e até de 24 horas». Os números não mentem: em Janeiro de 2016 havia 99 guardas de passagem de nível dos quais 95 eram mulheres; em 1961 eram 1646, em 1997 eram 900. Este livro é escrito «em homenagem a estas profissionais esquecidas, hoje em vias de extinção e também aos que, nas estações, zelam pela segurança dos comboios». Há nestas páginas histórias como a de Maria Dolorosa que uma noite de trovoada ficou toda encharcada num abrigo de uma passagem de nível na Linha do Oeste e recebeu roupa enxuta, entregue por um miúdo de dez anos, filho da guarda titular; hoje esse rapaz é o chefe da estação de Leiria e chama-se António Ribeiro. E também dados concretos: «hoje o ordenado base de uma guarda de PN é de 553 euros mas com os subsídios de refeição, de turno e horas nocturnas, pode ir aos 900 ou mil euros». Outro caso: a fuga do rei D. Manuel e a sua comitiva em 4 Outubro de 1910 obrigou a uma paragem na zona da Malveira (Linha do Oeste) para que a guarda lhes abrisse as cancelas quando iam de Lisboa para a Ericeira de onde seguiram para Gibraltar. Tragédias surgem na página 55, 64 e 68. Na primeira entre Aguda e Miramar, uma rapariga atirou-se ao comboio «como quem se atira a uma piscina» e a guarda nada pôde fazer mesmo depois de a ter avisado «Ó menina, afaste-se, tire lá a roda daí!». Na segunda é o dia 25-4-2005 em Darque quando uma guarda destacada se enganou com o telefonema de Viana do Castelo e morreram os dois ocupantes de um automóvel, um homem de 41 anos e uma mulher de 40. A terceira refere o acidente de 2-5-1930 perto de Viana do Castelo com 21 mortos e 15 feridos entre os quarenta passageiros de uma camioneta da carga num dia de festa e romaria. Uma nota final: passageiro de Linha do Oeste desde a infância, habituado a ouvir histórias de meu avô José Almeida Penas que fez o serviço militar em Leiria e era de Santa Catarina (1906-1979) custa-me muito ver a estação do Valado usada apenas para fotografias em dia de casamento. (Editora: Fundação Francisco Manuel dos Santos, Revisão: Susana Vieira, Design: Inês Sena, Foto: Pedro Letria, Director de publicações: António Araújo) --

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por José do Carmo Francisco às 11:01


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