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Domingo, 12.02.17
carlos garcia de castro sobre cesário verde - poema em forma de crónica
Nota de abertura – a foto é de Raul Ladeira. No seu livro «Crónica da fortuna» António Osório recorda que «Poesia e prosa estão juntas no mesmo jacto, na mesma destreza, na mesma ironia e na mesma verve. Camilo, nas cartas mais torturadas, escreveu também poesia. Alguns contos de Torga pertencem à sua poesia mais genuína. As narrativas de Borges têm densidade igual à dos poemas e o mesmo se diga das crónicas de Bandeira, de Cecília e Drummond em relação à poesia deles. O poeta Octávio Paz é também um dos maiores ensaístas do nosso tempo. Poesia e prosa vivem paredes meias, quando não coabitam na mesma pessoa como sucede com Régio e Nemésio, Sophia e Eugénio de Andrade.» vamos então ao poema em crónica de Carlos Garcia de Castro (1934-2016), poeta de Portalegre: «A Cesário Verde Tenho uma loja de vender ferragens, a minha terra já não é Lisboa. Mas hoje nem sequer me arrependi. Ser-se moderno confunde, ninguém se vai proclamar… - À fava a dispersão das almas proporcional de haver contratos maiores e os menores, assegurados. Não procurei, nem li, nem disfarcei – sou vendedor de ferragens. Dou muito pouco de pensar angústias, para consultar depressões. Estarei ausente nos congressos ávidos onde há, benignas, as inócuas actas. Os meus negócios são outros. Mais fácil será, comigo, fingir qualquer literatura do que afagar as crianças dum velho amigo meu que é professor. É imoral fazer pornografia, quer solitário, quer acompanhado. Que eu nunca me esforcei por ser escritor. Não vim para a rua com panfletos rútilos, as grandes hecatombes da palavra de bem servir a condição mental. – Em cada coisa a coisa enquanto seja de haver em cada coisa a natureza. A todos vos olhei do mau olhado, escandalizei por serem meus amigos (ainda que um poeta aqui de perto!) eternos num café a conversar…desconfiado de cigarro à boa, com vinho e licores, acrobacia entre o dever, competências e o ser, de anonimato, um cidadão. Só hoje, de exercitado, com gerações esforçadas de ironias, pernas abertas, assentes os pêlos aqui do peito vorazes a descoberto - hoje! minha alma se borrifa em vocês todos. De manhã lavei-me com sabão azul, mas já não fui convosco pra correr no campo. Deu-me vontade de cantar sozinho, como só calçando tennis sou capaz, concretamente sozinho, comigo e tudo à volta como as árvores. O footing é sempre ingénuo e parvo, se vierdes, companheiros. Porque amanhã terei de novo a minha opinião e mais mulheres para beijar nevrótico; serei pálido. Terei convosco as mesmas criancinhas e os velhinhos, palmadinhas – Borotalco. Direi a toda a gente, concentrado – Boa tarde!... e vou tomar a Bica no emprego, maledicente, fresco, barbeado, solene e ao mesmo tempo saltitante como um cristão aos domingos. Assim já todos somos bem-avindos. Ser-se moderno confunde, ninguém se vai proclamar… Agora – não! Deixei-me de prever civilizações, sou novamente burguês. Apenas que a ser poeta, não sei o que hei-de ser nem que dizer. Provavelmente convicto – como vocês.» datas do texto 1987 (1955) --
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José do Carmo Francisco
às 12:17
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