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Transporte Sentimental



Sábado, 03.09.16

«magreza não é pitafe» num conto de natal de vitorino nemésio em 1946

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A revista custava 5 escudos, tinha o título de «Ver e Crer» e um subtítulo «Cada assunto vale um livro» sendo seus responsáveis José Ribeiro dos Santos e Mário Neves, editor e propietário. Vitorino Nemésio é um dos colaboradores do número especial de Natal de 1946 com o conto «O Natal da Bilhordas» que ocupa sete páginas da revista. O autor açoriano (1901-1978) é apresentado nestes termos: «Poeta e prosador que marcou há muito o seu lugar nas letras, é autor de uma já ampla bibliografia que vai desde a poesia e do conto ao romance ou ao estudo erudito. Licenciado em Filologia Germânica, foi leitor nas Universidades de Montpellier e Bruxelas, conquistando depois, brilhantemente, o lugar de professor da Faculdade de Letras de Lisboa.» Habituado a trocar títulos por causa do seu anterior romance «Mau tempo no canal» cujo título inicial era «Negócio de pomba», Vitorino Nemésio troca Tovim por Trevim e Coimbra por Milréus, nome de um antigo mosteiro da Cidade. Na segunda página do conto surge uma expressão «Magreza não é pitafe» e a palavra pitafe significa «defeito» nos bons dicionários sendo o seu uso muito frequente nos Açores marcando assim a origem do autor que nasceu em Vila Praia da Vitória. O pano de fundo do conto é o sofrimento da Bilhordas para chegar à ementa de Natal: «Era costume cozer um bacalhau com batatas, aferventar umas berças para embrulhar melhor o fio de azeite fino e fritar velhozes de abóbora. Tudo isso porém carecia de crédito na venda – que a féria, a tapar fiados parecia um coxo a correr atrás de um recruta de alpercatas…» Um aspecto curioso é o uso de palavras como trolhas e carpinas em vez de pedreiros e carpinteiros. Lendo na mesma Revista os textos de autores como Rodrigues Miguéis, Guedes de Amorim, Rocha Martins ou Mário de Azevedo Gomes julgamos ver em Vitorino Nemésio não um presencistas ma um neo-realista. Mas isso é outra história que não cabe em crónica curta. --

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por José do Carmo Francisco às 16:18

Sábado, 03.09.16

elegia breve para a mulher-menina do mouchão da póvoa

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Não sei o seu nome sequer. Pode ser Sofia, Ana Maria, Alegria, Maresia, Simpatia, pode ser tudo e mais alguma coisa mas mesmo sem saber o nome quero fazer no precário do momento que vivo e das palavras que uso, uma elegia breve a esta aparição em esplendor num dia de festa entre alunos e professores da Escola Industrial e Comercial de Vila Franca. A nossa memória não é pura porque incorpora sempre um aluvião de coisas passadas e, quarenta e oito anos depois da última aula, eu convoco a memória das mulheres-meninas da minha turma em 1966 plasmada numa fotografia a preto e branco, elas e eu com o Arnaldo e o «Paplicas», perto do Rio Tejo e de um barco areeiro, o «Gil Conde». Os Actos dos Apóstolos fazem uma adversativa solene («Não tenho prata nem ouro») lembrando que quem escreve para louvar tem apenas as palavras já poluídas pelo uso quotidiano. Mais tarde Carlos de Oliveira em «O aprendiz de feiticeiro» vai insistir - «Escrever é lavrar numa terra de escritores e camponeses abandonados». E eu, obscuro escriba, receoso, hesitante e tímido, lembro as minhas filhas Ana Maria e Marta, de 36 e 29 anos, a viverem no Reino Unido e na Austrália, cada vez mais longe de mim e da infância que é o tempo em que nem os beijos nem as lágrimas têm preço marcado. É tudo grátis. Escrevo devagar a elegia breve para uma mulher-menina cujo nome não conheço e até pode ser Maria, nome que, diz a lenda antiga, foi dado pelos primitivos homens atónitos e maravilhados à primeira mulher que saiu do mar – daí o nome «mar yam», gota do mar. Gota do mar, talvez porque ela trouxe ao salão da festa um mar de beleza em ondas sucessivas de simpatia, sempre que se aproximava das mesas com o seu sorriso de mulher-menina. --

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por José do Carmo Francisco às 11:34

Sábado, 03.09.16

palavras, palavras e filosofia barata no facebook

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Um dos meus títulos - «Mansões abandonadas» Escrituras Editora – foi editado no Brasil na cidade de São Paulo. A única diferença no texto é que chamam prólogo ao prefácio mas, de resto, não há grandes alterações e o livro podia ser lido em Lisboa. Participei na Festo do Livro do Ceará em 2008 (Fortaleza) como «palestrante, moderador e debatedor». Por outro lado leio há muito Rubem Braga, Machado de Assis, Drummond de Andrade, Manuel Bandeira, João Cabral de Melo Neto e outros como Mário Lago («O rabo da noite») ou Edilberto Coutinho («Maracanã Adeus») - meu amigo e que me dedicou um dos seus poemas antes de morrer. Fui também amigo de Duda Guenes («Meu Brasil brasileiro») que nos apresentou nas páginas do jornal A BOLA a filosofia estradeira – frases colocadas nos camiões de longo curso como, por exemplo: «Feliz foi Jesus Cristo que não teve sogra». Repugna-me ver no Facebook pessoas que muito prezo colocarem frases parecidas com essas da filosofia estradeira no seu perfil, adoptando-as como suas. É como outras pessoas que colocam «poemas» falsos de Fernando Pessoa no frigorífico. Outro dia vi no Facebook uma frase que me arrepiou: «Ando preferindo ter paz do que razão». Claro que se fosse mesmo Português poderia estar escrito «Prefiro a paz à razão». Ou «Mais vale a paz que a razão». Ou ainda «Entre a paz e a razão prefiro a paz». Tal como está é repugnante pela força do gerúndio (preferindo) e horroroso porque «do que» não tem razão de ser nesta frase. Carlos de Oliveira (1921-1981) que nasceu no Pará escreveu alguns belos poemas na língua portuguesa: «A noite é a nossa dádiva de sol aos que vivem do outro lado da Terra» ou «O sal é o mar servido às nossas praias domésticas de linho». Mas isso é pedir muito. Os brasileiros estão mais à mão de semear… --

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por José do Carmo Francisco às 11:23


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