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Transporte Sentimental



Sábado, 27.08.16

memória de adelino, tal e qual, entre sol e pó

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A 210 quilómetros da grande cidade, o sorriso de Adelino convida a um copo na sua adega, com azeitonas e meio casqueiro na mão. Lava os copos na água fria de um garrafão empalhado («Esta é do furo!») e bebemos à nossa saúde e dos netos. Saudamos o passado e o futuro porque o presente são os filhos que estão a trabalhar. Empurra as galinhas com um gesto largo mas elas não desistem. O vinho é morangueiro mas é muito bom. Largos minutos depois, ainda as mulheres estão a despejar a bagageira do automóvel, já Adelino sorri de novo («Eu não dizia?») e os sacos de plástico não acabam. Desce comigo até à casa velha da outra banda para mostrar como a ribeira vai seca e lamenta: «Assim as nascentes não rebentam!» Obriga-me a aceitar um saco de plástico cheio de pinhas para acender o lume e meia dúzia de ovos para fritar com azeite «do nosso». Adelino é guloso mas quem não será guloso com estes ovos amarelos de galinhas que só comem milho «do nosso»? Passa o peixeiro, passa o padeiro, passa o rapaz dos Correios; cada um com o seu apito estridente marca o ritmo do dia nesta aldeia. Outro som sai do posto público, uma casinha de cortiça, de onde Adelino aparece depois de chamar um táxi. No seu português dirá «já chamei o carro de praça!» porque nunca se vai habituar a dizer táxi. Amanhã, tal e qual, entre o sol e o pó, Adelino repetirá o convite, entre sorrisos e cumplicidade - «Quer vir à vila mais eu? Já vem aí o carro de praça!». Na ponte sobre a ribeira que vai seca («e já vamos em Março, veja lá») Adelino é um perfil, uma mistura de memórias e de sombras, num gesto galhardo de votos de boa viagem para nós, os de Lisboa. Obrigado Adelino, até sempre! Daqui até à vila ainda sou capaz de me cruzar com o seu «carro de praça». --

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por José do Carmo Francisco às 12:37

Sexta-feira, 26.08.16

o número 50 de berkeley square em londres

Casa Maggs.jpeg

Este livro é especial, tem uma edição limitada a 400 exemplares, existe como trabalho bilingue (inglês/português) e é assinado por Clara Macedo Cabral sendo o título inlgês «The Last King of Portugal and Maggs – An Anglo-Portuguesa Alliance». A Casa Maggs foi fundada em 1853, dedicando-se ao comércio de livros antigos e raros, manuscritos e autógrafos, tendo sido escolhida pelo último rei de Portugal no seu exílio de Fulwel Park (arredores de Richmond e Twickenham) para comprar os livros da sua magnífica biblioteca. Escrevia o rei exilado: «Os livros são amigos silenciosos e fiéis e, através deles, podemos aprender a ler a vida.» Um dos gerentes da Casa Maggs (Ed) afirma que «O coleccionismo de livros é uma obsessão» podendo às vezes esse delírio e essa alucinação dar origem a crimes: «Em 2012 descobriu-se que Massimo de Caro, director da Biblioteca dei Girolamini (Nápoles) furtou ao longo de vários anos cerca de quatro mil livros e manuscritos preciosos, incluindo trabalhos de Galileu. Muitos dos livros roubados foram depois vendidos em Nova Iorque, Londres, Tóquio e Munique. Outro assunto é o espaço (edifício) sede da Casa Maggs onde se sabe que foi vendida a biblioteca de Harold Pinter e onde permanece a secretária de Charles Dickens onde ele escreveu os seus «The Pickwick Papers». Há neste livro alguma páginas com histórias peculiares, insólitas e estranhas como a de Napoleão («o pénis foi amputado pelo padre que administrou a extrema-unção») ou uma carta de Churchill em 1911 quando escreve que «a Grã-Bretanha tinha feito um erro ao permitir a deposição da Casa de Bragança e o estabelecimento num país com o qual temos boas relações, do regime detestável actual». --

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por José do Carmo Francisco às 13:04

Quinta-feira, 25.08.16

sobre os comboios, os vídeos e outras notas pessoais

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Neste espaço que tem o título de um livro meu («Transporte sentimental») aproveito mais para falar dos outros, seus livros e seus quadros, seus sonhos e seus percalços. Hoje escrevo sobre a imagem de um comboio inglês porque o presumo a caminho do sul de Inglaterra: Southampton, Bournemouth, Poole. Quando em 1978 comecei a colaborar no «Diário Popular» Jacinto Baptista, meu mestre, fez uma advertência solene que na altura não tomei muito a sério: «Isto um dia vai acabar!» E acabou mesmo. Num certo sentido a imagem do comboio é a imagem do Mundo que todos os dias fica para trás. Do jornal também. Talvez por isso persigo nos alfarrabistas os livros sobre comboios que não voltam. Tal como os jornais e as camionetas que esperavam (por exemplo) nas Caldas da Rainha às 19 h 30m pelo comboio que saía de Lisboa às 17h 20m porque se tratava de «serviço combinado com a CP». Quanto aos vídeos no Facebook a conversa é outra. Quem me conhece sabe que não sei (de todo!) fazer vídeos e, por isso, não sou eu que os coloca no Facebook. E muito menos vídeos pornográficos mas isso já é outra história. Portanto e por favor nada de perguntas do género «Este vídeo é seu?» porque não é meu nem pode ser. Quem como eu se lembra de pessoas há poucos anos a saírem mais cedo dos restaurantes porque iam jogar Farmville não ache estranho que qualquer dia eu saia daqui um bocado à francesa. Não assinei contrato com ninguém, dou o melhor de mim no que faço mas isto não é eterno. Claro que é muito agradável receber em cima da hora fotos e palavras da Austrália e do Reiuno Unido mas o Mundo não acaba se acabar o Facebook. Ai de nós se fosse assim, ai de mim que afinal estou aqui até um dia. Não é dramático, é assim mesmo. --

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por José do Carmo Francisco às 17:07

Quinta-feira, 25.08.16

«um outro lado de fernando pessoa» de joão viegas

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Este recente livro de João Viegas (n.1945) sobre Fernando Pessoa (1888-1935) surgiu de uma série de «cartoons» executados sob o título de «Pessoa goes to Hollywood», fazendo-o protagonista de filmes como «O Mundo a seus pés», «O Padrinho», «E tudo o vento levou», «Dançando à chuva» ou «Casablanca». Dessa série o autor passou a propostas «pessoanas» de artes plásticas como Picasso, Van Gogh, Dali, Modigliani, José Malhoa, Amadeo de Souza-Cardoso, Warhol ou Botero. Por outro lado um dos« cartoons» revela artistas que cantam os versos de Fernando Pessoa: Mísia, Camané, Mariza, Débora Rodrigues, Ana Moura, Carminho e Ricardo Ribeiro. Outro «cartoon» mostra vários poetas portugueses ao lado de Fernando Pessoa: Al Berto, David Mourão-Ferreira, Luís de Camões, Sophia de Mello Breyner, Florbela Espanca, Alexandre O´Neill, Natália Correia, Eugénio de Andrade, Mário de Sá-Carneiro, Bocage e António Botto. Há cartoons com Garcia Lorca, Jorge Luís Borges, Jack Kerouac, Jorge Amado, Mário Cesariny e José Carlos Ary dos Santos, entre outros. Um Pessoa descalço em homenagem aos Beatles (Abbey Road) junta-se a um Pessoa Tin Tin ao lado do seu cão Milou mas o ponto alto do humor talvez seja o «cartoon» da página 59 no baptizado do bebé «Pessoínha» com quatro nomes a serem atirados ao sacerdote atónito: Fernando, Álvaro, Ricardo e Alberto. Na página 53 quando Ophélia resolve seguir o exemplo de Fernando Pessoa e arranja também os seus heterónimos este desabafa: «Uma já era demais!» em vez de «de mais» por oposição a «de menos» já que «os demais» são «os outros». Mas isso é um pormenor apenas. Freud também está presente na página 60 como muitas outras figuras que ou se cruzaram ou se poderiam ter cruzado com o poeta (Fernando Pessoa) que um dia afirmou pela voz de outro poeta (Álvaro de Campos) «tenho em mim todos os sonhos do mundo!!!» (Editora: Zestbooks, Coordenação: Raquel Mouta, Design: Sara Gomes, Layout: Diana Martins) --

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por José do Carmo Francisco às 15:32

Terça-feira, 23.08.16

«&etc uma editora no subterrâneo» (colectivo) edição letra livre

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O cólofon deste livro de 230 páginas é claro: «O livro &etc, uma editora no subterrâneo foi publicado pela Livraria Letra Livre em Novembro de 2013, ano 3 da Crise, nos quarenta anos de & etc – Edições Culturais do Subterrâneo, um exemplo de resistência cultural e de liberdade editorial neste país». Tal como é claro o texto de Paulo da Costa Domingos porque desde 1973 o ideal não esmoreceu: «sabotar o gozo de mandões e poderosos, instilar algum fel no reino da estupidez. As maçãs da sabedoria e da revolta colhem-se no chão. Ou mesmo no subsolo. Na Rua da Emenda desce-se até ao subterrâneo por uma rampa que sobre, e vice-versa.» Fernando Cabral Martins recorda uma cena com o empregado na «Parisiense» («tinha a mania de abrir os pacotes de açúcar e esvaziá-los no café») e refere a sua memória pessoal quando vivia na Rua da Rosa («Eu costumava passar na Rua da Emenda ao sair de casa») antes de dar uma lição de história literária: «Parece que o cruzamento entre a poesia e a pintura é a menina dos olhos dos surrealistas, a começar por Teixeira de Pascoaes (talvez) e a continuar em Julio, António Pedro e Mário Cesariny.» Já que veio à baila o assunto dos cafés e pastelarias, registo uma referência de Vítor Silva Tavares a um café do meu tempo (e de hoje!), trata-se da «Orion»: «Digo sempre doutro Fernando Amado. Tive sempre por aquele homem uma devoção extraordinária. Eu não tive universidade e sem dúvida que este homem foi um dos meus mestres. E mestre não quer dizer professor. Ele foi meu mestre porque me pôs a mim a saber. Não foi ele que me ensinou. Pôs-me em estado de saber. Por isso, mestre. Fui eu que o adoptei como tal. Um sábio gentil. Começo com os meus encantamentos de teatro, comprei a prestações o primeiro livro que cá chegou, tradução francesa da «Formação do Actor» de Konstantin Stanislavki. E como já era muito lido, um intelectual, perorava ali na Orion e tinha então conversas muito mais aprofundadas com o doutor Amado.» E por referir a Universidade é Eduardo Lourenço aqui citado na página 14: «Nascida sob referência anarco-surrealista, cedo perdeu o seu pseudo-espontaneísmo para se converter à ficção pop, ao híper-realismo com a sua tranquila paranóia objectiva, com a evacuação do histórico, do mnemónico e do discursivo.» Posto isto fica a lista dos autores sem as citações de Eduardo Lourenço, José Cardoso Pires ou António José Forte: «Adília Lopes, Alexandra Lucas Coelho, António Vieira, Cláudia Clemente, Eduardo de Sousa, Emanuel Cameira, Fernando Cabral Martins, Graça Martins, Isabel de Sá, Isaque Ferreira, Júlio Henriques, Luís Henriques, Luiz Pacheco, Manuel de Castro, Manuel de Freitas, Paulo da Costa Domingos, Pedro Oom, Pedro Piedade Marques, Rocha de Sousa, Vasco Tavares dos Santos, Vítor Silva Tavares.
E há sempre uma história para contar como aquela da página 77: «Na Tipografia Ideal, a Heidelberg plana de pequeno formato só permitia serem impressos deitados de quatro páginas por cada entrada em máquina. Contava o proprietário que a havia comprado em segunda mão, após o fim da Segunda Guerra Mundial e que a mesma tinha sido concebida daquele tamanho para poder imprimir propaganda dentro de comboios em pleno andamento.» (Editora: Letra Livre, Revisão: Andreia Baleiras, Capa: Pedro Serpa, Edição e Grafismo: Paulo da Costa Domingos) --

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por José do Carmo Francisco às 14:48

Terça-feira, 23.08.16

memória do montijo da «gazeta do sul» ao menino do afonsoeiro (a maria alzira seixo)

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Lá pelos idos de 1957 o Montijo era para mim, acabado de chegar, a estranheza da água muito quente nas torneiras. Eu vinha de uma terra (Santa Catarina) onde a água fria era tirada a balde do Poço do Povo, à beira da estrada entre Caldas da Rainha e Alcobaça. No caminho montijense para o Palácio da Justiça (trabalho do meu pai) e para a Maria do Caracóis (intervalo de lazer) eu ficava com o nariz bem encostado à montra da redacção do jornal «Gazeta do Sul», jornal onde se estreou com os primeiros poemas o jovem poeta Sebastião da Gama que assinava «Zé d´Anicha». Nasceu em 1957 no Montijo a minha paixão pelo jornalismo que se concretizou no «Diário Popular» em 1978 com Jacinto Baptista a quem fui apresentado por Carlos Pinhão. Eu morava na Rua Sacadura Cabral perto do Beco do Esteval e das traseiras do cemitério montijense. Ainda recordo hoje o rumor das lágrimas no funeral do menino do Afonsoeiro, morto sem mais nem menos por um motociclista que andava sempre na «estoira». Naquele tempo usava-se a expressão «cem à hora» para referir altas velocidades. Foi no Montijo que ouvi, dita por uma senhora muito fina, uma frase que marcou a minha vida - «Os filhos dos motoristas não vão para o Liceu!». Eu era filho de um motorista e por isso não podia ir para o Liceu, fui para a Escola Técnica mas foi por isso que fui colega de turma do Arnaldo Ribeiro, do Álvaro Pato, do Zé Carlos Lilaia e do Vidaúl Froes Ferreira, entre outros. Muita coisa passou pela minha vida mas se há momentos fixos e imutáveis na memória, esses do rumor das lágrimas pelo menino do Afonsoeiro, são dos que não se perdem nem no barulho nem na espuma do quotidiano mais voraz. A queima do batel nas Festas de São Pedro no Montijo fica para a próxima. O espaço não dá para mais. --

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por José do Carmo Francisco às 12:26

Domingo, 21.08.16

«rememoração do tempo e da humidade» de josé luís hopffer c.almada

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O ponto de partida do livro é o poema biográfico do autor: «Nasci numa aldeia / à sombra de um sobrado / e da austera penumbra das montanhas.(…) / Hoje sei que sou / um simples signo / de Adão e Eva / e do seu éden pétreo / no Pico de António.» Temos o Tempo que é a História e a Humidade que é a Ilha; afastando-se do «eu», é no «nós» que o poema atinge caminhos colectivos: «Todos nós éramos / trovadores do jogo de futebol / e do seu corpo redondo / buscando os paraísos / velozes luminosos cometas /albergados no voo da bola / nos golos súbitos aterrando / nas redes imaginárias / das balizas de pedra / e as mãos defraudadas / dos guardiões / das noites longas da Assomada.» A partir do futebol (jogo colectivo) o poema deriva para a emigração (movimento colectivo) e recorda «Todos nós éramos / emigrações inscritas / no esqueleto das montanhas / navios de todos os Atlânticos / ancorados na fisionomia / raquítica e contorcida /das purgueiras ao sol / da rala vegetação / nas raízes da fome e da carestia.» Outro tipo de «emigração» que é a dos animais: «Lembras-te, Nelo / das vacas das cabras das alimárias (…) / alheadas do seu destino de gado vivo/ alheias ao seu inexorável final / de carne morta e esquartejada / para as mesas e os exigentes paladares /das criaturas do além-mar?» As recordações desviam-se para o Liceu Gil Eanes: «Lembras-te Arménio / dos estudantes liceais teus condiscípulos / filhos dos colegas de carteira do teu pai / e dos pais dos teus amigos / teus futuros camaradas / conhecidos dos nossos irmãos / dos nossos primos dos nosso tios / dos nossos parentes mais velhos / tímidos atónitos irrequietos de ansiedade / a caminho da matrícula da admissão /da ilustração no Liceu Gil Eanes». Outro «ramal» da memória é o do Amor: «Todos nós éramos/ adolescentes consumidos / na lenta combustão do enamoramento / no inesperado ateamento do fogo da paixão / nas serenatas nas tocatinas nas tímidas esperas / nas esquinas dormentes crepitantes de amor / indagando os tormentos tracejados / nas púbis folhosas das namoradas / apressadamente desfloradas / nas pausas imaginadas das aulas de ginástica / perscrutando os mistérios / nos corpos velados das amadas / sofregamente beijadas / nos intervalos das aulas de latim.» Está presente a lição de Breton: «É no amor humano que reside todo o poder de regeneração do Mundo.» Logo a seguir ao Amor, a Poesia surge na página 225: «Lembras-te, Julinho Damas / dos versos sonhadores / do libertário onirismo / dos poetas da Nova Largada / e de outros versados / na arte poética de intervenção social (…)?» Na página 243 o poema recorda nomes de combatentes da terra firme irmã (a Guiné Bissau) como «Jaime Mota, Justino Lopes, Zeca Santos, Rui Djassi, Domingos Ramos, Vitorino Costa e Titina Silá», a mulher-menina chamada «a flor dos tarrafes». Esta memória alargada prova que o livro não se esgota na sua geografia caseira porque a sua casa é todo o Mundo. (Editora: INCM Lisboa, Prefácio: Elsa Rodrigues dos Santos, Posfácio: Rui Guilherme Silva) --

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por José do Carmo Francisco às 20:02

Domingo, 21.08.16

música entre tremês e alpiarça - fernando ribeiro e fernanda guerra

Fernando Ribeiro Fernanda Guerra.jpeg

A música não é ligeira nem pesada, não é popular nem clássica, não é simples nem erudita, a música é apenas música e nada mais. Boa ou má mas sempre música. Estou muito à vontade para o afirmar pois o meu primeiro livro em 1981 integra alguns poemas dedicados a compositores ditos clássicos como Vivaldi e Handel mas também a músicos e cantores como Mikis Theodorakis, Maria Farandouri, Sandy Denny, Paul Williams ou Keith Jarrett.

Vem este introito a propósito desta fotografia com Fernando Ribeiro e Fernanda Guerra que nasceram ambos em 1935; ele em Tremês e ela em Alpiarça. Fernando Ribeiro foi incentivado pelo professor Vitorino Matono em 1945 para trocar o acordeão de teclas por um instrumento de botões e gravou o primeiro disco (78 rotações por minuto) em 1946. Conheceu Fernanda Guerra em 1948 e casaram em 1955. Fernanda tinha aprendido acordeão com Anselmo Guerra, seu pai, tendo ingressado muito jovem na Orquestra Típica Scalabitana. Logo em 1955 tiveram os dois «Fernandos» actuações em Goa, Damão e Diu além de espectáculos no Egipto, Jordânia, Síria e Líbano. Apresentaram-se os dois nos seguintes países: Austrália, Bélgica, Canadá, Dinamarca, EUA, Holanda e Suécia. O seu vasto repertório inclui peças clássicas de concerto para acordeão (Fugazza, Volpi, Fancelli e Melochi) mas também por exemplo a «Tocata e fuga em ré menor» de João Sebastião Bach. Fernando Ribeiro gravou mais de 50 fonogramas (15 como solista e os restantes com Fernanda Guerra) tendo recebido em 1967 o Troféu Mundial do acordeão em Calais (França). De um modo geral Fernanda Guerra executava a melodia e Fernando Ribeiro os contracantos e as variações à volta dessa melodia. Felizmente há algum material na Internet com as suas melodias de sempre. Nem tudo é mau --

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por José do Carmo Francisco às 09:48

Quinta-feira, 18.08.16

entre a chuva e o sol, entre a campina e a lezíria

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Há certos minutos perto de ti em certos dias de chuva e de sol que me transportam de imediato aos dias variados da Ilha de São Miguel: chuva em Ponta Delgada, sol na Ribeira Grande, chuva em Porto Formoso, sol na Maia. E assim, sucessivamente. Contigo foi quase igual: chuva à porta da estação do Metro de Telheiras, sol só muito depois quando partiste para o Areeiro, a caminho de uma ligação suburbana. Nunca percebi estas complicadas ligações entre o clima do lado de fora e o clima interior. As chuvas são muitas vezes, quase sempre, antecedidas por nuvens que parecem feitas de chumbo. E o seu peso alaga o clima sentimental interior de cada um de nós. Tudo acontece mais tarde e, pior, mais devagar e mais longe. O Mundo aparece como uma patrulha hostil que nos exige os documentos e o salvo-conduto, o santo e a senha. E nem sempre os documentos estão em ordem, nem sempre o bilhete de identidade diz tudo sobre o estado civil das pessoas. Sobre a altura (da angústia) e sobre os sinais particulares (dos sentimentos) então nem é bom falar. Está tudo fora do prazo de validade e nenhuma Loja do Cidadão resolveu até agora esses problemas. Contigo é diferente. Nos teus olhos brilha o outro sol. O da campina, o da lezíria, o das sementeiras entre cânticos de trabalho e sementes de esperança. Conseguiste conservar os elementos essenciais dessa força e desse esplendor que o sol da cidade não consegue ter. Por isso não ficaste muito incomodada com a chuva que te recebeu na porta da estação do Metro de Telheiras. Sabias que o teu olhar acabaria por empurrar as bátegas frias de encontro às nuvens mais cinzentas e mais pesadas do horizonte desta cidade. --

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por José do Carmo Francisco às 11:42

Terça-feira, 16.08.16

fala de antónio para helena na «terra permitida»

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Soube sempre, soube desde sempre que o nosso amor não seria um amor feliz mas amores felizes há muitos nos livros, nos teatros e nos cinemas. Preferi o teu encanto ao encanto da rainha Dona Amélia quando ela veio à Ilha de São Miguel com o rei D. Carlos. Nesse dia fiquei a falar contigo e não fui ver os reis porque se o meu pai não tivesse morrido pobre eu nem sequer teria um casaco para vestir. O meu amor por ti cresceu entre o cheiro da terra, o cheiro da madeira da oficina do mestre Abílio e o cheiro do licor de tangerina. O meu amor por ti cresceu também entre lágrimas. A nossa terra sempre foi uma terra de lágrimas mas lágrimas diferentes de pessoa para pessoa. O José Sobrancelha Loura fez o enterro da mulher com lágrimas porém sem música mas já o menino Horácio trouxe para o funeral da sua mulher a Filarmónica dos Fenais da Ajuda e a música era tão triste que as pessoas até choraram mais. O meu amor por ti cresceu entre a música da minha guitarra e a música de uma peça de Debussy que toquei para tu sentires a Lua mesmo sem a poderes ver. O meu amor por ti cresceu também entre as palavras para mim estranhas e o som das primeiras sílabas: água, braço, gato, rato, uva, xaile, zebra. Mais tarde eu já podia ler para ti outras palavras: «Longas são as estradas da Galileia e curta a piedade dos homens». O meu amor por ti cresceu e não vai ter fim. Já está num livro e os livros são uma memória que não deixa morrer os sentimentos das pessoas como nós. O teatro e o cinema também. Quem sabe, Helena, se um doa a minha guitarra e a tua burrinha não vão aparecer num palco de teatro ou numa sala de cinema. Quando um amor é grande como o meu, tudo é possível, Helena. Tudo é possível. --

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por José do Carmo Francisco às 12:31

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