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Transporte Sentimental



Sexta-feira, 13.05.16

erges, ponsul, ocreza, zêzera, maior e trancão - crónica para fernando alves

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Estive quatro dias na «Pátria da chuva» (Proença-a-Nova) e ouvi as ribeiras sem nome que se juntam às outras, as grandes, as que são afluentes dos rios e deixam a sua água no Tejo. Estes nomes da margem esquerda do Tejo – Erges, Ponsul, Ocreza, Zêzere, Maior e Trancão - eram cantados, tal como a tabuada, no meu tempo da Escola Primária. Recordo também e agora (são coisas desencadeadas) os afluentes da margem direita do Sado: Odivelas, Xarrama, São Martinho e Marateca. Essas pequenas ribeiras são caminho no Verão e só são pequenos rios no Inverno ou na Primavera quando chove muito no Inverno; e foi este o caso neste ano de 2016. A água parece que canta melodias sem pauta, livres e improvisadas, quando bate nas pedras e na terra no usufruto da sua velocidade que já vem das serras lá de cima, das Corgas e da Sarzedinha. Seria o paraíso na Terra se não fossem as moscas e os cães. As moscas são o que resta dum tempo em que os animais dormiam debaixo dos quartos dos humanos e era o seu calor que afastava o frio dos longos meses de Inverno. Os cães andam à solta pelas aldeias e entram na casa de cada um à procura de comida. Quando ladram aquilo é uma réplica pegada, uns respondem aos outros, os pequenos não querem ficar atrás dos grandes e o vale em frente enche-se do seu som multiplicado até à Amoreira, já no caminho para o Vale d ´Urso. Mas nem tudo é mau; mesmo com moscas e cães há coisas muito boas na «pátria da chuva». O pão, as azeitonas, os maranhos, o azeite, o vinho, o queijo, o bolo finto, as couves, as laranjas, as batatas, as adegas frias. A hospitalidade. Sem esquecer os homens das concertinas que surgem do nada, no fim das casas, e tocam uma música capaz de ligar de novo tudo o que a morte separou. --

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por José do Carmo Francisco às 12:28

Domingo, 08.05.16

levi condinho e alfredo roque gameiro - o campo na cidade

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Respeito as opções dos meus amigos em relação à Internet e há entre eles quem não tenha «mail» nem «facebook». Este poema de Levi Condinho tem a data de 3-10-78 e está inédito até hoje. A ilustração do poema é dada pela aguarela de Alfredo Roque Gameiro intitulada «Alfama» e onde se percebe uma das constantes da Cultura Portuguesa – o Campo na Cidade. Para não ir mais longe, isso tudo está em Cesário Verde. E vamos ao poema que com todo o gosto divulgo neste Blog: «Sou contemporâneo de antigos camponeses / que me falavam da existência de demónios voadores / e bruxas perdidas pelos vales húmidos / a minha infância passou-se entre a luz do candeeiro a petróleo / a candeia de azeite / a lanterna de lata e vidro /e o gasómetro a carbureto no barbeiro aos sábados à noite / recordo os jogos inventados / na palha / na poeira / na água / e nessa lama de terra habitada / apenas por minhocas e outros /bichos inocentes / tempo de eiras de trigo e trilhos puxados pelos bois /«os boizinhos leões com corações de passarinhos»/ e os bois largavam grandes bostas fumegantes / pela estrada de pedra e pó / e eram tão puras as bostas que era vulgar apanhá-las do chão / com as mãos espalmadas / para encher os cestos de verga / e adubar as terras / tinha 3 anos talvez quando a minha avó / contribuiu para a primeira bebedeira da minha vida - hoje podia contá-las / às centenas mas quão distante o sabor / inicial do vinho da infância / muitas coisas se tinham passado neste século sem que / o soubesse – via as revistas da guerra e gostava das fardas dos soldados aliados e o nome de Hitler soava / aos meus ouvidos como se fosse / a marca de uma máquina destruidora / e sem sentido / mal eu sabia que entretanto em Nova Iorque / um negro chamado CHARLIE PARKER / anunciava o meu futuro/ de música e delírio permanente / sei que Deus habitava em mim porque eu tão pequeno / e cândido era maior e melhor / do que qualquer divindade dos / teólogos e dos místicos / sou portanto testemunha de inúmeras e pequenas sensações / com as quais podia demonstrar / a Verdade da Existência se acaso / a Verdade Existisse / hoje tenho os pés ainda assentes no chão / mas o chão começa a sacudir-me / como quem deixou de reconhecer / o direito que tenho de o pisar/ a lucidez é um dom dos que foram inocentes e sabem hoje / a inocência de cór em demasia / «quando é que nos vamos todos suicidar» / - sim mas que horror ser devorado / por estes vermes que povoam agora a Terra / vou ainda sair daqui à procura da Alegria porque ela há-de / ter poiso em qualquer lado – nas asas de um besouro voando / no cardos da Praia da Riviera – ou nos teus seios libertos enfrentado a tempestade.» Nota final – a gravura de Roque Gameiro está na Livraria Fabula Urbis, ali à Sé, na Rua Augusto Rosa 27. --

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por José do Carmo Francisco às 15:57

Sexta-feira, 06.05.16

«Infância de que nasci» textos de Natércia Freire desenhos de Ofélia Marques

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O livro que tenho à minha frente (Portugália Editora) é antigo (talvez 1955) mas só hoje (Abril de 2016) me chegou às mãos. Custava 45$00 e era indicado para jovens dos 14 aos 16 anos. Natércia Freire (1920-2004) deve o nome à morte de uma irmã (2-5-1917/17-7-1919): «Se a outra não tivesse morrido, não te tinham mandado vir…» Um dia irá visitar a campa da irmã ao cemitério e escrever: «Quando saímos, por uma noitecer silencioso, sem vento, sem rumor nas árvores que rodeavam a igreja e os ciprestes do cemitério, olhei para trás e, num indefinido desgosto, senti que qualquer coisa de mim, do meu sangue, das minhas células, do que eu poderia vir a ser, ficava enterrado na campa de minha irmã.» A mãe tinha avisado («Não mexam aqui, filhas. Nesta caixa está o título e está a chave do jazigo») e a então menina Natércia respeitou o pedido mas não parou de investigar. O livro começou por ser um conjunto de contos para a Revista Panorama do SNI cujo director era o Poeta Carlos Queiroz. Embora não de modo explícito, o livro respira Benavente (paisagem e povoamento) em todas as linhas. Na página 95 pode ler-se: «afoitava-me um pouco na lezíria cortada pelo rio – acampamento de ciganos rezingões: - «Tarrenego os teus mortos à porta do cemitério!» - e extasiava-me com a cor dos brincos de princesa, tão senhoris e vermelhos no canteiro, à ilharga esquerda dos quatro pés de ferro do moinho de vento.» Dizem que somos feitos até aos sete anos e que depois o que vem são apenas remendos; terá sido aos sete anos que esta autora nasceu de facto. Foi quando ouviu uma canção: «O que havia naquele canto era uma vida prodigiosa, como se a rapariga que cantava do outro lado do muro, fosse uma presença do amor vivo, pedindo amor, solicitando amor até ao próprio ar que respirava.» --

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por José do Carmo Francisco às 19:54

Quarta-feira, 04.05.16

«margarida marante» de maria joão martins

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Não será por acaso que esta biografia de Margarida Marante (1959-2012) assinada por Maria João Martins (n.1967) não se limita à cronologia e abre com o enquadramento nacional e internacional do respectivo tempo: Fulgêncio Baptista e Fidel Castro em Cuba, Salazar e Américo Tomás em Portugal, António Botto no Rio de Janeiro. Muito menina, na sua casa do Bairro São João de Brito já Margarida Marante viva a duas velocidades: por um lado «uma curiosidade inesgotável pelo mundo em mudança», por outro lado a calma dos Natais da infância: «uma noite mágica, a casa cheia de tios, primos e avó que enchiam o meu universo de filha única.» Entre a Cidade e o Campo, Margarida Marante é uma «boa aluna» no Liceu Rainha D. Leonor e passa os Verões desse tempo em Rio Maior. Mais tarde irá passar fins-de- semana no Alentejo, perto do cheiro da terra, entre animais e plantas: «um luxo de liberdade». Margarida Marante começou a trabalhar cedo, com 18 anos em 1976, no semanário «Tempo» e com 19 anos já estava na RTP: «nunca se intimidou perante políticos com a experiência de vida de Álvaro Cunhal ou Mário Soares que, por sua vez, sempre a respeitaram.» Nas suas palavras o dia 4-2-86 ficou marcado: «O melhor momento da minha carreira terá sido por ocasião dos debates com os candidatos presidenciais de 1986. Percebi logo que o Dr. Mário Soares ia ganhar.»
Entretanto tinha casado em 1-12-84 com Henrique Granadeiro e desse casamento nasceram três filhos: «Henrique em 1987, Catarina em 1989 e Joana em 1993.» Catarina recorda a mãe nestas palavras: «era ela que nos forrava os manuais escolares e quem nos acompanhava todos os sábados à piscina do Colégio dos Salesianos.» Entretanto em 7-8-98 Margarida casa com Emídio Rangel e «na companhia de Rangel, inicia-se no consumo de drogas, tornando-se dependente da cocaína». Nada que altere o que afirma ao «Correio da Manhã» em 2010: «As minhas características não se esfumaram. Continuo a ser uma mulher combativa». E só perdeu o último combate porque «todas as horas nos ferem e só a última mata» - como diz o provérbio. Tal como se inicia, o livro encerra com o enquadramento nacional e internacional do tempo em Outubro de 2012: «Vítor Gaspar anuncia um brutal aumento de impostos em Portugal, Barack Obama discute com Mitt Romney as presidenciais do mês seguinte». (Editora: Livros Horizonte, Capa: C&P Design, Foto capa: Acácio Franco, Foto autora: Cristóvão, Revisão: Carmen Saraiva) --

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por José do Carmo Francisco às 12:32

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