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Sábado, 05.09.15
«traição no seio da família» de manuel gaspar
«A escola da amargura» - podia ser o título deste livro; a sua narrativa descreve o «curso» de amargura que o protagonista tirou em Portugal e em França. Um «curso» tão completo que deu licenciatura, mestrado e doutoramento. Filho de uma mulher analfabeta, rancorosa e violenta («não sabia ler nem escrever»),experimentou a brutalidade da progenitora logo aos seis meses de idade quando esta só o levantou da terra onde tinha caído de dentro de um cesto «depois de acabada a própria lida. A sua azáfama era-lhe mais importante do que a vida do bebé.» Mais tarde, no primeiro dia da escola primária, ela empunhou uma cavaca e gritou: «Ó rapaz do caraças, ou tu aprendes ou levas com a cavaca em cima!». Gritou outra ameaça com uma forquilha quando um dia a chave da casa não aparecia: «Ó rapaz do diabo, ou a chave aparece ou eu estripo-te!» Com oito anos de idade, ele chega a pensar no suicídio: «Não tinha pedido para nascer, muito menos para sofrer violência por parte de quem lhe deveria dar amor.» A violência, o analfabetismo e o rancor da progenitora ficam patentes quando o filho volta pata casa, expulso do seminário: «Ai não comes? Mais barato ficas.» A brutalidade alastra ao pai que se despede deste modo aquando da partida do filho de 14 anos para Lisboa: «Para mim serás sempre considerado como um assassino». Já em França a sua vida negra continuou: por um lado a mulher obrigava o filho mais velho a pagar 450 francos franceses pelo alojamento mas quando o irmão mais novo ficou a seu cargo apenas lhe entregava 300 francos franceses por mês. Um livro como este é feito de dois factores: o sangue pisado e o estilo. O segundo é condicionado pelo facto de o autor ter vivido em França muitos anos. A organização do discurso engloba centenas de advérbios de modo (tão caros aos franceses) como por exemplo «igualmente» três vezes seguidas na página 94 ou «raramente» duas vezes seguidas na página 96. Algumas palavras são usadas em português por influência directa do francês: questões por perguntas, trem por comboio, campesinos por camponeses, diáspora por emigração ou abade por pároco. Uma possível disfunção cronológica leva a que surjam as fotocópias em vez das certidões no início dos anos 60 (pág. 42) ou a ANP, fundada em 21-2-70 aparece na taberna de Caselas antes de 1968 (pág. 118). E também a geografia: a Avenida é Duque de Loulé, não «de Loulé» (pág. 80), a bebida é Eduardino não «Eduardinho» (pág. 84), Emissora Nacional (pág. 112) e Junta de Emigração (pág. 117) têm caixa alta e não baixa, o nome do jornal é O SÉCULO e não «Século» sendo que este e o «Diário de Notícias» umas vezes surgem com aspas e outras sem nenhum sinal gráfico (pág. 80). Por outro lado «demais» não é «de mais» (pág. 176) e «contrabaixista» não leva hífen como contrabaixo (pág. 189). Além disso a idade de Arménio aparece na página 217 como 46 e 45 anos, surge «incerto» depois de parte e seria «incerta» (pág. 190), «solarengo» não é soalheiro (pág. 138), São Martinho do Bispo não é «do Porto» (pág. 228) e «bitoques» não é bitocles (pág. 237). Nada que altere a mensagem final destas páginas: um doloroso, veemente e minucioso testemunho do sofrimento acumulado ao longo de uma vida por quem emigrou para um país diferente do seu em tudo menos num aspecto: a família, lá como cá, continuou a explorar o seu amor, a sua ingenuidade e o seu trabalho. (Editora: Edições Vieira da Silva, Prefácio: Manuel Monteiro, Capa: Paula Némesis, Revisão: Catarina Lopes) --
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José do Carmo Francisco
às 12:06
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