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Transporte Sentimental



Terça-feira, 30.06.15

de camilo castelo branco a alexandre o´neill ou a diferença de ser do porto

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A Revista «Delphica» bº 2 tem como editores José Manuel de Vasconcelos, Jorge Fernandes, Rui Vieira e Vergílio Alberto Vieira. Na sua página 149 leio numa carta de Mário Cesariny a Ana Maria Pereirinha o seguinte: «O trabalho de Maria de Fátima Marinho é de uma nulidade aflitiva. O único caso de informação-interpretação pessoal, tipo achêga de inquiridor que ela apresenta é erro total. É quando, referida a uma carta minha para o João Gaspar Simões, eu digo «os ficheiros da inteligência de ao pé do S. Luís», e ela explica que «ao pé do S. Luís» é o café Chiado, o extinto Café Chiado, quando qualquer pessoa que viva em Lisboa pode aperceber-se que «ficheiros» e «ao pé do S. Luís» refere a sede da PIDE, na R. António Maria Cardoso. Porém a Fátima Marinho é, ou vive, no Porto…» Comigo aconteceu uma coisa parecida. Vi um livro na Feira do Livro de Poesia e Banda Desenhada (Guilherme Coussul) ali a Campolide. Chamou-me a atenção e comprei-o logo. Tinha a ver com a vida de Camilo Castelo Branco (1825-1890) e a editora é a AREAL. David Mourão-Ferreira assina uma nota de contracapa e na página 6 pode ler-se: «A Rua dos Calafates não se encontra registada nos actuais roteiros da cidade de Lisboa.» É caso para sorrir porque qualquer pessoa sabe que a hoje Rua Diário de Notícias é a antiga Rua dos Calafates e o colégio com esse nome ainda lá está. A autora do livro sobre Camilo Castelo Branco (que nasceu na Rua da Rosa, ali ao pé) é do Porto e por isso não sabe onde fica a Rua dos Calafates. Mas podia ter perguntado. Estes dois exemplos mostram como sendo Portugal um país pequeno há pequenas coisas que o tornam ainda mais pequeno. Eu diria mesmo – pequenas coias que não são coisas pequenas. Obrigado Vergílio Alberto Vieira pela oferta. --

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por José do Carmo Francisco às 19:49

Terça-feira, 30.06.15

«a terra onde nascemos» vergílio alberto vieira

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«Guimarães – paisagem e povoamento» poderia ser este o título do livro de Vergílio Alberto Vieira (n. 1950) com 37 páginas em digressão pelo espaço e pelo tempo da cidade. Seria «paisagem» porque o texto deambula pelos lugares de forma didáctica: «Vindo da Rua de Santo António ou da D. João I, é certo que já o afã de outras épocas não embaraça o andarim, sem saber para onde se dirigir: se pelo Largo do Pão ou do Leite, hoje da Condessa do Juncal, com passagem pela Rua Egas Moniz, dobrando à direita rumo ao Campo da Feira; se pela Rua da Rainha, de passo andado que, para o Terreiro do Carmo, não há que se enganar». Seria «povoamento» porque as figuras da terra («burgo, reino, império, nação») por aqui circulam desde Afonso Henriques, Camilo Castelo Branco, José Bandeira, Morais Sarmento, Alberto Sampaio, Abel Salazar ou Raul Brandão: «talvez o autor de «O pobre de pedir» gostasse de aqui ter sido sepultado junto à oliveira que hoje cobre de paz o espírito do lugar».

Guimarães, terra de trabalho e de paixão, tem neste livro lado a lado as fábricas («curtumes, cutelarias, moagens, chapéus, atoalhados, algodões, sedas e papel») e o santuário do futebol: «Hoje todas as ruas da cidade irão ter ao estádio D. Afonso Henriques que se ergueu, há um bom par de anos, no lugar do imortal Campo da Amorosa.» Conclusão, precária embora: «Com todas e com nenhuma se parecem as cidades» porque «embora diferentes, embora iguais, o que no fundo as distingue é o que há de nós em cada uma». (Editora: Papéis de Fumar, Fotografias, Rui Sousa, Escultura: João Cutileiro) --

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por José do Carmo Francisco às 11:55

Segunda-feira, 29.06.15

«devir nº 1 - revista ibero-americana de cultura»

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Tendo como directores Ruy Ventura e Nuno Matos Duarte, a Revista DEVIR foi apresentada na Livraria Barata da Avenida de Roma por Fernando J.B. Martinho que, além de a comentar, deu a todos os presentes uma magnífica lição sobre as revistas literária em Portugal. As palavras de apresentação dos directores são as seguintes: «Nasce esta revista sob o signo do devir, nome e verbo, substância e movimento. Não rejeitando o tempo presente, deseja estar a montante e a jusante da nossa contemporaneidade: a montante, porque procura os princípios (talvez obscuros) do pensamento e da criação; a jusante porque deseja encontrar a foz onde nos pode levar a razão poética. Se Agostinho da Silva perspectivava a criação de um espaço comum de convivência entre várias culturas ibéricas, esta revista visa contribuir para edificação desse lugar imaterial, onde – com liberdade, audácia e inteireza – se possa exercer, ignorando fronteiras políticas e administrativas, em contrabando de criações e de ideias. «Um dia iremos mais em frente e seremos uma Comunidade Mundial de Povos de Língua Ibérica. Pense só na extensão disto. Veja quanto mundo», escreveu o filósofo viajante. Entre a raiz e a copa da grande árvore se institui este projecto. Terá a extensão que a incessante metamorfose permitir. Os directores.» Não é possível dar conta das 23 contribuições de poesia e ensaio além dos nomes dos autores: Álvaro Valverde, Amadeu Baptista, António Cândido Franco, António Carlos Cortez, C. Ronald, Fernando Aguiar, Francisco dos Santos, João Rasteiro, Jorge Melícias, Jorge Tamargo, José Emílio-Nelson, José Félix Duque, José Maria Cumbreno, Luís Arturo Guichard. Manuel Silva-Terra. Miguel Real, Nuno Matos Duarte, Pedro Martins, Rui Almeida, Ruy Ventura, Tiago Gomes e Joana Koehler, Victor Sosa e Wilmar Silva de Andrade. A antologia deste número é dedicada a Carles Riba («Elegias de Bierville») com tradução de Marta López Vilar. As oito fotografais de David Infante completam este número um da Revista DEVIR, editado pela Licorne com o apoio da Câmara Municipal de Aljezur. Oxalá possa merecer o título e tenha um grande futuro. --

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por José do Carmo Francisco às 18:41

Domingo, 28.06.15

«a noite das mulheres cantoras» de lídia jorge

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A literatura está sempre à frente da sua época, os escritores conseguem ver mais longe do que os políticos. Basta lembrar Carlos de Oliveira («Uma abelha na chuva») que adivinha e anuncia o regresso dos retornados a Portugal ou Milan Kundera que em vários livros antecipa a queda do Muro de Berlim. Lídia Jorge (n.1946) escreve e descreve a noite das mulheres cantoras numa Lisboa de 1987 que a escrita recupera em 2008 – 21 anos depois. Essas cinco mulheres cantoras («sou o quinto elemento de um agrupamento de música») fazem um pacto de não-amor («prometemos que não manteríamos ligações de amor de espécie alguma») mas a morte de uma delas («Madalena») faz lembrar os mortos de Lampedusa em Itália. A África expulsou os europeus («Expulsá-los-emos até à sua última pegada») mas os filhos desses apanhadores de chá morrem às portas da Europa em barcos superlotados, frágeis e clandestinos. Numa narrativa que se comenta a si própria há sempre duas hipóteses. Ou o geral («ainda haveria quem dissesse que foi uma história de vingança entre colonos e colonizados») ou, na voz de Gisela, o particular: «foi apenas uma história de gente, a história de um grupo vítima de uma mulher estúpida e sem escrúpulos e essa mulher sou eu». Nesta história surge uma dupla inscrição: ora mágica ora realista. Começa num piano cujas teclas se movem sozinhas e acaba num tempo determinado: «esqueço a harmonia da noite estupenda criada por Gisela Batista para regressar a esse dia, último trimestre de oitenta e sete. O tempo era outro.» Em termos simples podemos afirmar que a arquitectura do livro se organiza à volta do grupo de mulheres que quer gravar um disco mas alcança as mudanças nas pedras e nas almas (A Ideal das Avenidas é hoje um Hotel) oscilando sempre entre a verdade e a mentira, entre a ficção e a memória, num Mundo dividido pelo Muro de Berlim: «Ou os homens se tonam irmãos e a Humanidade se salva ou a desigualdade campeará, a mentira vencerá e a Terra irá começar a desintegrar-se». A vida pode ser uma simples oportunidade, a vida é só uma e ficam sem resposta os «que exigem que nos separemos em partes que são inseparáveis. Não podemos ser de dois mundos». Viver será, por isso, «atraiçoar» porque «sobreviver implica trair.» As mulheres cantoras querem ser alguém, logo serem vistas do lado de fora e não do lado de dentro: «àquela hora uns trinta ou quarenta grupos portugueses ensaiavam como nós, cada um em sua garagem e todos com a mesma ambição». É a competição, a TV, o esplendor do efémero. Em resumo – um livro inesquecível com personagens que nos vão acompanhar mesmo depois da última página. (Publicações Dom Quixote, Capa: Rui Garrido, Foto: Pedro Loureiro, Revisão: Clara Boléo, Edição: Cecília Andrade) --

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por José do Carmo Francisco às 14:03

Sábado, 27.06.15

nuno costa santos e teresa belo ou uma certa memória do jogo do chinquilho

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Levi Condinho, natural do Bárrio (perto de Alcobaça e de São João da Ribeira) ouviu em Setembro de 1978 numa taberna de Turquel dois homens do campo dizerem que tinha sido complicado transportar a urna com o corpo de Ruy Belo. Eu não estava lá, não ouvi os dois homens mas, num certo sentido, percebo a frase: ele pesava muito porque levava consigo o peso da Terra. Não a Terra, o planeta Terra mas aquilo que cada um de nós faz da sua apropriação da Terra. Não o volume mas a densidade e a memória da Terra. Como no poema «O jogo do chinquilho»: «O adro o fim da tarde o jogo do chinquilho / o ruído das malhas os paulitos / o sol poente sobre si redondo como simples / malha atirada por alguém pelo espaço do dia / e prestes a cair no mar como nas tábuas / o gesto perdulário e impensado de jogar / a malha como quem num gesto joga a vida / as silhuetas hirtas dos que assistem / de boné ou barrete na cabeça e mãos nos bolsos / tudo se passa aqui ali há trinta e cinco anos / como se aqui ninguém houvesse envelhecido / nem sofrido ou morrido ou suportado / toda a imensa fome requerida para produzir um rico». Embora nascido em 1951 (Ruy Belo nasceu em 1933) posso dizer que os homens de boné e os velhos de barrete são os mesmos e o jogo do chinquilho também. Santa Catarina não é longe de São João da Ribeira, pelo meio ficam as Salinas de Rio Maior. É esta proximidade que me comove. Houve tempos em que passava em São João da Ribeira todas as segundas feiras: trabalhava em Santarém e ia almoçar como meu pai à minha terra. Agora as cervejas não saem dos poços dentro das cestas de verga, toda a gente tem frigorífico. Eu gostava mais de gasosas. A taberna do Ernesto é hoje um café moderno, o campo do Rio da Pedra é um pomar que felizmente dá pouca fruta. --

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por José do Carmo Francisco às 14:58

Sábado, 27.06.15

josé cid, luiz pacheco, spínola e hélia correia ou todos na mesma marcha

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Quando há uns anos no Pavilhão Carlos Lopes integrei o júri das Marchas de Lisboa reparei que os funcionários da Câmara Municipal de Lisboa se referiam às marchas de cada Bairro de uma forma peculiar. À de Benfica chamavam as marchas dos burros porque a imagem de marca da marcha nos anos 40 e 50 era a de um burro que ia à frente e funcionava como mascote. Lembrei-me desta pequena história porque no Boletim da Junta de freguesia no qual se anunciam os artistas que vão actuar na Festa dos Santos Populares (com José Cid em caixa alta) surge um texto sobre as Villas Anna e Ventura no nº 674 da Estrada de Benfica. O mais curioso é que no Boletim se referem duas figuras (o general Spínola e o escritor Luiz Pacheco) da história recente de Portugal mas o texto passa ao lado daquilo que para mim é mais importante – o livro «Villa Celeste» de Hélia Correia, uma ilustre escritora que vive em Benfica e a quem foi atribuído o importante Prémio Camões. Sem esquecer que general não é marechal mas isso é já outra história. O Boletim da Junta de Freguesia de Benfica não tem data na sua ficha técnica mas penso que é recente pois ainda foi a tempo de emendar a palavra errada «Extremadura» mudando para Estremadura a propósito dos ranchos folclóricos da Barra Cheia (Moita) e do Souto da Caranguejeira (Leiria). No pequeno folheto colocado nas caixas do correio estava escrito Estremadura à espanhola. Quanto à «Villa Celeste» e à sua autora Hélia Correia, vencedora do Prémio Camões em 2015, julgamos que livro e escritora merecem uma referência no próximo Boletim da Junta de Freguesia pois Hélia vive em Benfica há muitos e muitos anos. Mas isso é já outra história. --

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por José do Carmo Francisco às 11:10

Sexta-feira, 26.06.15

«a liberdade de pátio» de mário de carvalho

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Mário de Carvalho (n. 1944) estreou-se em 1981 («Contos da sétima esfera») e tem sido um devotado praticante do conto sem esquecer os seus romances, o teatro, as novelas e a literatura infanto-juvenil. Leitor ávido que sou do conto em geral e praticante obscuro, faço uma declaração de interesses prévia: publiquei contos em «Os guarda-redes morrem ao Domingo» e sou um apaixonado da arte. Fico feliz por ver um Nobel atribuído a uma contista canadiana e admiro os contos dos nacionais como Irene Lisboa, Lídia Jorge, Ondina Braga e Judite de Carvalho ao lado dos internacionais como Tolstoi e Borges, Tchekov e Kafka. Em «A cabeça de Mânlio» surge o esplendor do insólito: alguém que transporta a cabeça de um cadáver (diferente de um defunto) não pode entregar essa cabeça no destino porque se «acabaram as senhas». O dito normal (falta de senhas) abafa o esquisito (transporte de uma humana cabeça). Já em «A liberdade de pátio» aparece a metáfora perfeita do nosso tempo e da nossa vida: temos liberdade para votar de quatro em quatro anos mas depois os nossos eleitos votam entre si num sentido oposto aos nossos interesses, direitos e aspirações, levando o governo e a coisa pública para o «estado a que isto chegou». Mário de Carvalho não é indiferente às questões da linguagem; não por acaso surgem no seu conto expressões vernáculas como «cintura de vespa», «magala», «pronto», «asilo», «bisonha», «lacaio», «baiúca» e «colchão de palha». No conto «Os caminhos do sucesso» o autor transforma a emigração dos jovens portugueses (que é uma tragédia) numa coisa divertida e, num certo sentido, escreve à imagem de Dinis Machado que mesmo num funeral perguntava sempre - «Qual é o lado cómico disto?» A propósito do caldo verde em Inglaterra pergunta Mário de Carvalho: «Como é que um povo que conheceu tardiamente o chá e o garfo, que bebe vinho do Porto fora do Natal, que tem o palato habituado ao rosbife, que ainda não se reconciliou com o alho e tolera os kebabs, haveria de se acostumar ao caldo verde?» Já em «A força do destino» juntam-se quatro homens, todos professores aposentados, remediados e opiniosos - «eram todos viúvos, o que é uma condição irritante e, sobremaneira, antinatural». Mas este é um país de coisas insólitas: «um golfista experimentado fulminou um pobre pássaro que deambulava ao longe, um sem-abrigo encontrou uma mina de ouro quando se recostava num barranco para dormir e o Presidente da República de Portugal curou um cego pela mera imposição das mãos». Nota final: em «O passe social» percebe-se como em tempo de promessas por cumprir um empregado do Metro persegue um pobre utente que lhe perguntou pelo «passe» tendo ele vislumbrado na pergunta uma promessa de compra. E tão firme e solene que tudo se cumpre mesmo depois da sua morte. (Edição: Porto Editora, Colecção: Obras de Mário de Carvalho) --

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por José do Carmo Francisco às 10:18

Quinta-feira, 25.06.15

para nuno costa santos e teresa belo com uma foto de valter vinagre

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A propósito de um filme na Gulbenkian sobre Ruy Belo recordo que há muitos anos comprei uma antologia de poesia alentejana com poemas de Ruy Belo. A coisa parecia errada mas o poeta Ruy Ventura explicou-me que afinal o Alentejo está presente na vida e na obra de Ruy Belo porque ele passava férias na aldeia da Mata, perto de Chança e do Crato. Esta história explica em parte o filme e Chico Buarque de Holanda. A poesia de Ruy Belo é de todo o Mundo mas a sua origem é a Estremadura. Isto porque o Ribatejo como província só foi criado em 1937 por Salazar e Ruy Belo nasceu em 1933, em São João da Ribeira, perto de Rio Maior. Nasci na Estremadura em 1951 e fui muitas vezes às Salinas de Rio Maior com os meus avós de Santa Catarina comprar sal em Setembro para a matança do porco em Dezembro. Depois de poemas publicados pelo poeta e professor Manuel Simões na Escola Veiga Beirão, devo a Ruy Belo o meu primeiro poema publicado num jornal de grande circulação tal como devo a Ruy Belo o meu primeiro livro de poemas publicado na Moraes Editora pelo poeta Pedro Támen que com Fernando J.B. Martinho e Armando Silva Carvalho integraram o júri do Prémio Revelação de Poesia da APE. O «Diário Popular» abriu-me as portas do jornalismo por Jacinto Baptista com esse poema para Ruy Belo em Agosto de 1978. No dia 8 de Julho de 1998 publiquei no jornal O MIRANTE de Santarém uma entrevista com Rui Cacho e em 12 de Agosto de 1998 recordei a edição do jornal O MOCHO de 24 de Fevereiro de 1951, com Ruy Belo (ainda Rui) a integrar a Comissão da Récita com Samouco da Fonseca e Rui Cacho. Há uma resposta de Rui Cacho a dizer tudo sobre a permanência desta poesia: «Há pessoas que não morrem. Não o considero morto. Não sou capaz sequer de aceitara a ideia. Foram muitos anos. Tive o convívio com ele trinta e cinco anos. São horas suficientes para estar ainda hoje comigo. Para mim ele não morreu. Apenas não o tenho encontrado ultimamente.» --

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por José do Carmo Francisco às 12:45

Quinta-feira, 25.06.15

«a liberdade do drible»de dinis machado

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O título deste livro de Dinis Machado (1930-2008), organizado por Marta Navarro é retirado de uma crónica publicada em A BOLA de 7-3-1995. O subtítulo (Crónicas de Futebol) indica a ideia genérica das 23 crónicas aqui convocadas depois de terem sido publicadas entre 1978 e 1996 em diversos jornais e revistas: A BOLA (15), O Jornal (3) Tal & Qual (3) A Bola Magazine (1) e Guia da Semana (1). O facto de Dinis Machado nunca ter sido jornalista dos quadros de A BOLA não invalida o que mais tarde, depois de no restaurante de seu pai («Farta Brutos») ter reconhecido «o fulgor e a importância de A BOLA», viria a acontecer: o primeiro convite de Carlos Pinhão para uma crónica sobre um Benfica-Sporting na Luz para a Taça de Portugal e o segundo convite de Carlos Miranda para uma série de crónicas: «No meu caso esta chegada tardia nem sequer é tardia. Chegou no mistério plácido do meu Outono, chegou bem.» O ponto de partida é o seu «eu», Dinis Machado ele-mesmo: «Andei sempre na linha avançada, um bocado maniento do golo. E do drible. Quando, nos «treinos», fazia uma perninha na baliza, acabava-me com pouco jeito. Não tinha bem tempo de saída, nem a adivinhação ou a atenção concentrada que é um autêntico sexto sentido. E tinha (no fundo, era isso) o enorme gozo de jogar com os pés.» O ponto de chegada é o silêncio: «É que esta crónica tem uma função escapista: criar sítio para que os anjos, as mulheres grávidas e os adolescentes eternos possam fugir à marcação do relógio de ponto. Por isso, leitor, hoje venho falar-te do silêncio, o silêncio que é uma espécie de maioridade da música e da hipótese de estares autorizado, nesta combustão dos ruídos físicos e mentais (teus, meus, dos outros) a ouvir o coração do pássaro.» Entre o ponto de partida e o de chegada fica o avô: «O meu avô João morreu no dia do Portugal-Espanha dos 4-1 no Jamor, o desafio de futebol que eu mais queria ver e que menos falta me fez. (…) transporto ainda nos olhos queimados pelo tabaco excessivo, uma loja tranquila, um lugar de histórias, de amor e de jornais. Legarei pouco aos outros e, nesse quase nada, ouço as palavras que recebi do meu avô, que já nem eram dele, eram do futuro. Um grande futuro teimoso.» Uma nota final para duas gralhas que aparecem na página 31 (Bayer por Bauer) e na página 46 (Norrkoepping por Norrköpping) (Editora Quetzal, Edição: Marta Navarro, Revisão: João Assis Gomes) --

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por José do Carmo Francisco às 11:24

Terça-feira, 23.06.15

as coisas mesmo importantes da vida

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Todos os dias se podem aprender com a vida coisas novas. O mais importante é estar disponível para isso. As histórias existem e sucedem-se, o essencial é reparar nelas. Durante muitos anos convivi com um colega de trabalho (o Barbosa) com o qual estive em desacordo muitas vezes. Cheguei mesmo a dizer-lhe que o problema dele era ser um trabalhador com mentalidade de patrão. E ele concordava porque até era verdade. Mas aprendi com ele que tudo é relativo na vida e o que para muitos é problemático para outros não tem nada que saber nem importância nenhuma. Os pequenos percalços do quotidiano não passavam disso mesmo (pequenos percalços) comparados com os grandes problemas, com as coisas mesmo importantes da vida. Ele contava a história breve e amarga de um colega nosso do Banco de Portugal. Tinha quatro filhos e nos anos sessenta do século passado, com a guerra colonial, morreu um deles na Guiné, outro em Angola e outro em Moçambique. O quarto filho era pequeno na altura e, com o «25 de Abril» Já não foi à guerra. Ele estudou na Universidade de Lisboa e concluiu o Curso de Direito. Na noite em que festejava com os amigos a sua formatura em Direito voou para a morte num automóvel que só parou numa árvore. A família ficou destroçada. Isso sim, são problemas grandes, nada que se compare as nossas pequenas contrariedades do dia-a-dia. O meu colega desses hoje distantes anos sessenta, o Barbosa, tinha razão. A sua história do nosso colega do Banco de Portugal e dos seus quatro filhos calava todas as pequenas questiúnculas pessoais e profissionais no nosso departamento operacional de estrangeiro. As coisas importantes da vida não aparecem todos os dias nas conversas e discussões. Elas são sempre outra coisa. --

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por José do Carmo Francisco às 14:16

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