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Transporte Sentimental



Sexta-feira, 01.05.15

«história da criança em portugal» de maria joão martins

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O ponto de partida deste volume de 197 páginas de Maria João Martins (n. 1967) está na página 13: «O que muda, ao longo dos séculos, não é a natureza do amor pelos filhos, mas o modo como a sociedade percepciona o indivíduo. À medida que melhoram as condições gerais de vida, a comunidade perde importância para o indivíduo que passa a ser visto de corpo inteiro, desde o nascimento até á posteridade.» As rodas dos expostos que em Itália eram «culla per la vita» e em França «tours d´abandon» surgem em Roma no ano de 1198 quando o Papa Inocêncio III decretou a sua instalação em vários pontos de Roma «de modo a evitar que um número crescente de mulheres afogasse os recém-nascidos nas águas do rio Tibre». Já em França, onde a rodas foram criadas por São Vicente de Paula em 1638 sabia-se que em 1789 «os abandonos atingiam 28 por cento dos nascimentos». No Brasil a primeira roda surgiu em 1726 (Salvador) seguindo-se o Rio de Janeiro (1738), o Recife (1788) e São Paulo (1825), situação que só acabou em 1950. Na Europa a mortalidade infantil só começa a baixar entre 1700 e 1800 quando a população europeia triplicou. Na página 61 surge uma definição da infância no século XVI: «Para reis como para camponeses, a infância passava veloz nesses tempos em que a esperança média de vida era curta e em que a morte participava do dia-a-dia das populações com demasiada frequência.» No final do século XVIII pela primeira vez na Europa «as ruas das cidades encheram-se de crianças» graças aos progressos científicos e à chegada de duas revoluções: a Francesa e a Industrial. A mudança das mentalidades é visível numa carta de D. Pedro IV a sua filha: «Num século em que os povos estão mais esclarecidos e já não engolem patranhas, é mister que os seus reis mereçam, pelas suas qualidades, virtudes e saber, o respeito dos seus súbditos e não pelo seu nascimento que de nada vale perante o mundo livre.» Já em 1870 a carta de uma senhora da classe média rural portuguesa à sua cunhada regista a persistência do drama da morte dos filhos: «As crianças pequenas são horrivelmente frágeis e, assim, a vida de uma mãe parece-se mais com a de um jogador». Mas não eram só as doenças que dificultavam o progresso no Portugal republicano. Basta ver os decretos-lei que invocavam no seu articulado «Portugal precisa de fazer cidadãos, essa matéria-prima de todas as pátrias» porque a verdade era outra: à data da implantação do novo regime cerca de 76 por cento da população portuguesa não sabia ler nem escrever. As estatísticas de 1935 apontam para uma criança com menos de 5 anos morta em Portugal de 12 em 12 minutos, em grande parte devido a doenças do aparelho digestivo e as que não morriam «apresentavam condições precárias de saúde, que se evidenciavam no ar macilento, na estatura baixa, muitas vezes numa aflitiva magreza.» Como fim do convite à leitura, fica uma referência às últimas linhas: O menino do cravo emigrou para Inglaterra, sabendo os leitores que ele se chama Diogo Bandeira Freire e em 25-4-74 entrou na fotografia de Sérgio Guimarães no Aeroporto da Portela quando tinha 3 anos. O mesmo aeroporto da fotografia foi por onde o «menino» partiu para o Reino Unido. Emigrou como muitos outros. (Editora: Parsifal, Capa: Pedro Gil) --

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por José do Carmo Francisco às 17:25

Sexta-feira, 01.05.15

josé correia tavares «olhando as margens»

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Depois de «O grande livro dos cães» (2009) e «Os sinais da viagem» (2011) José Correia Tavares regressa com este livro de 432 quadras -240 em «Olhando as margens» e 192 em «À beira do mar». A quadra é, neste autor, sempre lapidar no que integra de concisão, brevidade e sabedoria. O seu já hoje clássico «Beijos e pedradas» é uma crítica arrasadora à sociedade do seu tempo. José Correia Tavares refere a guerra colonial: «Em bem maiores assados / Já me vi que vejo agora / Quando sem sermos soldados / Nos fizeram ir embora». A emigração está presente numa quadra: «A volta ao mundo dez vezes / Mesmo em zonas imprevistas / Encontrei os portugueses / Raramente eram turistas». O país merece uma pergunta: «Bem sei que tanto vos faz / Mas não sereis afinal / Só olhando para trás / Novas estátuas de sal?». Depois uma constatação: «Há muitos talvez por vício / Na cauda sempre no fundo / Nós em fogos de artifício / Somos campeões do mundo». Por fim, um olhar para o futuro: «Na maré nova que vem / Pois nas veias já se sente / Não preciso de ninguém / A não ser de toda a gente». A crítica não inibe o poeta de sorrir: «Depois dum longo fadário / Nada me correndo bem / Eu saio aqui no Calvário / Já não vou até Belém». Outro exemplo: «Candidata à autarquia / Bonita lhe digo assim / Votar em ti votaria / Tu a urna, eu boletim.» Ou então: «Um lugar na caravana / Para sair desta fossa? / Como és um grande sacana / Vais atrelado à carroça».
A quadra, enquanto tema, faz parte do conjunto: «No espaço tão limitado / Das quadras em que me movo / Cabem presente e passado / Alvores dum mundo novo». Tal como a poesia e os poetas: «Há do plebeu ao mais nobre / Poetas da nossa praça / Que no símbolo do cobre / Levam, pagando ou de graça». Tal como a arte: «Por seu talento ou com sorte / Modestos sem dar nas vistas / Um remédio contra a morte / Inventaram os artistas.» Em especial a pintura: «Embora ponham nas telas / Milhares de pinceladas / Só quando a gente vai vê-las / Ela ficam acabadas». O autor é sempre poeta, seja lembrar Sebastião da Gama («De ninhos por estes ramos / Os ventos contrariando / É pelo sonho que vamos / Se regressarmos sonhando») seja a evocar Camões («Vossas eternas questões / Poeta inculto? Letrado? / Falo a língua de Camões / Também do Mal Cozinhado») seja por fim na despedida: «Livre de todos os medos / Pequeninos, ancestrais / Sem revelar meus segredos / Vou-me embora até jamais». (Editora: Húmus, Prefácio: Cristina Robalo Cordeiro, Capa: António Pedro sobre litografia de Cipriano Dourado) --

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por José do Carmo Francisco às 12:02


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