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Transporte Sentimental



Domingo, 05.04.15

o quarto de joão garcia na rua da rosa

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O quarto de João Garcia fica aqui no primeiro andar do nº 204 da Rua da Rosa, a mesma rua onde nasceu Camilo Castelo Branco. Escrevo e digo fica porque embora João Garcia já não viva naqueles metros quadrados nem já espere cartas de Margarida ao domingo (naquele tempo havia correio ao domingo…) a verdade é que está tudo na mesma como quando Vitorino Nemésio por aqui passou entre 1919 e 1921, entre a vida militar nas Janelas Verdes e as reportagens no jornal A Pátria. A capelista da Rua da Rosa nº 200 que entra no romance «Mau tempo no canal» na página em que se recorda a criadita que deixou molhar o jornal quando veio da capelista, pois a capelista também continua. Hoje já não vende só jornais, figurinos, cadernos, agulhas e carrinhos de linha mas relógios, bonecos, perfumes, brinquedos, bilhetes-postais e CDs. Isto além de ter uma máquina de fotocópias. Mudou de dono por trespasse e hoje tem ao balcão um simpático senhor indiano que regista as lotarias, as raspadinhas e o euro milhões. Os gatos do tempo de João Garcia, quando o jovem militar açoriano subia do Rossio cheio de cafés onde os boatos escaldavam tanto como a bica, os gatos deram lugar aos cães. O peixe frito que João Garcia via sempre nas portas da Rua da Atalaia desapareceu para sempre. À noite, quando regresso a casa pelo Elevador da Glória e entro no Bairro Alto por aquele lado, olho sempre para o primeiro andar do nº 204 da Rua da Rosa. Então se está nevoeiro e choveu de mansinho ou se ouvi nesse dia um CD de Hélio Beirão com músicas da viola da terra, fico com a quase certeza que João Garcia continua ali no seu quarto à espera de uma carta de Margarida. --

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por José do Carmo Francisco às 22:46

Domingo, 05.04.15

«25 mosaicos» de antónio manuel sousa bernardes

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As 25 histórias breves deste autor natural da Estremadura (Peso, S. Catarina, 1935) são muito diversas. Englobam fábulas (leões, mochos, corujas) e figuras da Natureza (rochedo) mas o grosso dos contos tem a ver com a gente que povoa algumas aldeias estremenhas. Há nestas páginas figuras de crianças, de homens ora desconfiados ora espertos e de mulheres a contas com as suas tarefas transparentes (porque repetidas) mas sem as quais a aldeia não vive. A figura do suicida (uma suicida) surge no conto «O tio Mourão», António Maciel de seu nome civil, que conta no sábado à noite no barbeiro do Casal do Rio um episódio de feira: «Hoje na Banadita eu é que me impus. Têm a mania de vir para ali todos janotas, soberbos por terem a carteira quente mas, desta feita, um finório teve que lovar a bezegra por aquilo que eu quis e não por aquilo que ele entendeu.» Afinal 26 notas de 100 escudos não são 29 notas: o comprador ofereceu mais do que o vendedor pediu, este ficou irritado por o outro lhe ter chamado Ti Zé. A vida ia correndo, a loja de barbeiro ia mudar para um rapaz novo que namorava uma cachopa da Venda das Raparigas quando um certo dia o tio Mourão descobre que a sua filha (Bina) bebe o vinho que ele guardava para os amigos e para os cavadores à jorna. Passado pouco tempo a rapariga atira-se para dentro de um poço («a portinhola está aberta») de onde é retirada já sem vida pelo irmão mais novo (Vítor) que para tal desceu numa canastra presa à corda da roldana. Com a morte da filha e vivendo uma estranha situação matrimonial (viúvo e casado com separação de bens, a mulher vinha do Vimeiro aos sábados visitá-lo), o tio Manuel Mourão deixou de dar uso ao sacho na limpeza das fazendas: («Mete dó olhar para as suas terras!») e desistiu de viver, aos poucos. Há nestas 196 páginas memórias cruzadas de lugares e ofícios, gente e sentimentos, costumes e mistérios. Nem falta a expressão local de uma oficina de cutelaria, daquelas que fizeram uma forte marca no tempo de quase todos nós, os que somos dali e para sempre. Porque, como dizia Vitorino Nemésio, «para nós a Geografia é mais importante do que a História». Nota final – os livros deste autor estão presentes na Livraria Parnaso (Caldas da Rainha) e no Quiosque da Vila (Santa Catarina). --

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por José do Carmo Francisco às 09:51


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