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Transporte Sentimental



Segunda-feira, 16.02.15

fernando chagas duarte - «quase cem poemas de amor e outros fragmentos»

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O título deste volume refere «quase» cem poemas mas os poemas no índice são 105 o que significa «mais» de cem poemas e não «quase» cem.Quanto aos fragmentos são apenas 10 em 6 poemas embora no título apareça a palavra «outros» sem precisar o seu número. A sua dedicatória está dirigida a alguém mas o livro é para todos os leitores que o volume possa merecer. O propósito explícito na dedicatória é «envelhecer contigo até adormecer»; se por «envelhecer» entendermos o conceito de «durar», será este o propósito de todos os livros de todos os tempos. Ou seja – durar para além do esquecimento inevitável que a todos nós rodeia, a todos persegue e a todos ameaça. A vida é curta, a morte é inevitável e só o Amor salva porque só ele resgata o Homem do precário do quotidiano. A Poesia, tal como o Amor ou a Oração, é uma ponte a ligar dois mundos separados pelo tempo, pela escuridão e pela morte. Adiante. Passemos ao mais concreto das páginas. No primeiro poema do livro, o autor afirma um ponto de partida («Escrevo para ninguém ler») ma já no segundo poema se proclama um objectivo: «viver a vida como ela é». O terceiro poema completa esta dupla inscrição de Literatura e Quotidiano: «És um poema. És somente vida.» Numa poesia escrita que junta no texto a canção e a reflexão, o poema vai perguntar na página 12 «Posso enganar o tempo?» antes de olhar as ruas e cantar na página 13 «Novos e velhos sonham / com a renovação dos sonhos». O poema da página 25 regista o tempo do Outono - «As folhas abraçaram-se com o tempo / sem o deixar fugir / sozinho.» Talvez porque o tempo não pode ser enganado; pelo menos o tempo dos relógios, das agendas e dos calendários. É no tempo que se inscreve a vida como se lê na página 27 «Sem poesia não há vida» mas, pelo contrário, no poema da página 26 afirma-se «A poesia é um sem propósito». Outra dupla inscrição está na intertextualidade dos poemas das páginas 29 e 31 com duas das poesias mais celebradas no Mundo e em Portugal – Pablo Neruda e Eugénio de Andrade. Mas aprendemos já em Fernando Pessoa que «o Poeta é um fingidor» por isso mesmo se pode ler na página 45 um verso onde se afirma «Eu, que não sou poeta». Outra inscrição intertextual pode ser vislumbrada na página 87 no que parece ser a apropriação dum verso de Carlos de Oliveira divulgado por Manuel Freire: «Não há machado que corte / a raiz ao pensamento». Aqui escreve-se «Deixando claro que não há machado / nem vento forte / que amaine a sofreguidão / do fim do dia». A poesia publicada em livro não é o mesmo que recitada em cima dum palco. As palavras escritas podem ser vistos de modo demorado pelo leitor enquanto o palco só permite o usufruto do som. Este livro apresenta 39 advérbios de modo entre a página 9 e a página 111 o que para alguns leitores pode ser excessivo mas para outros será um recurso de estilo. Na página 17 o verso décimo segundo proclama «Quero uma praça vazia vozes» quando poderia ser «vazia de vozes» tal como os outros versos do mesmo poema referem «vazia de esperança», «vazia de flores», vazia de futuro» ou «vazia de tudo». Na página 55 a palavra Humanidade em caixa baixa pode ser uma opção em vez da caixa alta que, por norma, designa os todos habitantes do Mundo. Outra opção surge no uso de palavras que julgo popularizadas em Portugal pelas canções e pelas telenovelas como «amassos» (104), como «bossa» talvez com o sentido de bossa nova (97) ou «brasuca» (90) ou ainda Verão em caixa baixa (100). Pode discutir-se o uso de «solarengo» por soalheiro (96) ou «saceia» por sacia (94) ou ainda a forma no verso da página 107 («vem-me amar») sem esquecer a possível disfunção na página 119 em «O movimento das gotas obrigam» que poderia também ser «O movimento da gotas obriga». A poesia moderna é por natureza intertextual e nada deixa de fora quando convoca os elementos do poema. Não é surpresa a página 95 com Vinicius de Moraes e Tom Jobim. Tal como não se estranha a página 118 que convoca Pablo Neruda e Vinicius de Moraes. Este já em segunda chamada. Para terminar e a ter que escolher um poema como símbolo deste livro que julgo ser de estreia para Fernando Chagas Duarte (Lisboa, 1964) escolhi o da página 72 pois junta Natureza e Cultura em 12 linha sintéticas, precisas e perfeitas: O RIO O meu amor é rio tumultuoso / de risos e vontades. Percorre vales pedregosos / Corta vertentes / Molda solos / Marca os dias / Busca o mar. Sob ritos escaldantes / e farpas afiadas / todos os dias o rio encontra / o nosso caminho / para o mar. José do Carmo Francisco – Lisboa 16-2-2015 --

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por José do Carmo Francisco às 10:03


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