Saltar para: Posts [1], Pesquisa e Arquivos [2]

Transporte Sentimental



Sexta-feira, 19.12.14

«áfrica - frente e verso» de urbano bettencourt

Image.jpg

Autor de 6 volumes de ensaio e de 9 livros de poesia e narrativa, Urbano Bettencourt (n. 1949) assina neste seu 16º título uma revisitação de África onde cumpriu uma comissão de serviço entre 1972 e 1974. O título propõe uma dupla inscrição mas nem no Natal o poema sugere alegria: «sem nozes nem lâmpadas / sem presépio nem padres finalmente / o natal escorre de saudade pelos olhos do soldado / agarrado à breda remuniciada.» O tom geral é a raiz de mágoa, título do primeiro livro do autor em 1972: «o Pedro morreu com 22 anos, tinha x metros de altura, pesava n quilos, a mina arrancou-lhe as pernas, procurei os restos e reuni-os debaixo de um mangueiro, (…) eu bebi whisky puro toda a tarde.» A alma e o corpo ocupam lugares diferentes: «Do corpo jamais se soube o que foi feito (…) mas a alma, essa mesma que foi enterrada junto ao poilão, é que continua multiplicada e enorme por dentro das noites a assombrar as bolanhas e as florestas, os riso e os poços.» O poema pode falar dos mortos em geral: «Deixem aos mortos o vinho amargo do silêncio, a taça onde uma flor de sangue aos poucos se desfolha: a paz de pinho que lhes coube é apenas a face iluminada do engano». Ou de um certo morto como o Marques: «O Marques falava demoradamente, o olhar sobre a quietação do rio. É a saturação de tudo. A caserna, o pessoal, a gritaria. Os gestos e as vozes, o rumor das armas, o cheiro e o toque dos corpos.» Na dupla inscrição a «frente» de África pode ser o poema «Não recordo o número de homens / esqueci o recorte dos ombros / contra a luz do regresso. / Apenas soube guardar de um deles o último pavor / e os seus dedos na minha carne, uma herança de sangue e morte.» Mas o «verso» pode ser esta prosa: «Se calhar, ainda te vais lembrar do tempo de África. Das gentes que viveram um pouco melhor graças a ti. Caminhos, estradas, casas, água potável. Mas a sombra das pessoas que destroçaste há-de seguir-te como um cão açoitado. E as casas a que deitaste fogo vão continuar a arder nos teus olhos.» (Editora: Letras Lavadas, Foto: Magda Medina, Capa e Grafismo: Urbano) --

Autoria e outros dados (tags, etc)

por José do Carmo Francisco às 08:57


Mais sobre mim

foto do autor


Pesquisar

Pesquisar no Blog  

calendário

Dezembro 2014

D S T Q Q S S
123456
78910111213
14151617181920
21222324252627
28293031