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Transporte Sentimental



Domingo, 30.11.14

joão gobern no «d.n.» ou charlot no tranquil vale de blackheath village

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O texto de João Gobern no «D.N.» sobre o livro de Peter Ackroyd («Charlie Chaplin») trouxe ao meu dia de ontem um pouco de felicidade. A visita do meu neto mais novo (com quem vi a Baby TV) e um almoço com batatas e bacalhau (da Islândia) fizeram o resto. Pena foi que o belíssimo texto de João Gobern apareça enquadrado por apenas três imagens para quatro filmes - «A quimera do ouro», «Luzes da cidade», «Tempos modernos» e «O grande ditador». Para os ingleses arrogantes de Westminster o «outro lado» do rio sempre foi algo maldito. No tempo de William Shakespeare os Puritano do Parlamento chegaram a tentar proibir o Teatro: os espectadores desse lado alugavam botes para irem ao Teatro depois de verem a bandeira içada no The Globe, sinal de função nesse dia. Charlie Chaplin (1889-1977) nasceu no South Bank perto de «Elephant & Castle» e a sua infância foi muito complicada pois viveu em casas mobiladas com trastes em segunda mão comprados nos adelos desses anos de fim de século. Aquela carroça da foto a preto e branco (arquivo da Blackheath Society) pode ser a carroça da trupe de saltimbancos com Charles Chaplin que vinha de London Bridge até Blackheath Village fazer as suas comédias de rua recebendo em troca os aplausos e moedas do tempo das libras, xelins e dinheiros. A foto colorida de Fiona Bell Currie faz o contraste ao preto e branco do velho postal. A vida de Charlot nunca foi a cores: a primeira namorada morreu tísica, o primeiro filho morreu com três dias, o país que o consagrou (EUA) moveu-lhe uma perseguição na caça às bruxas de Mac Carthy. Para concluir: obrigado João Gobern pelo texto «Cem anos de gratidão» que me fez voltar ao tempo da minha infância, um tempo feliz para além das particularidades. Nesse tempo nem os beijos nem as lágrimas tinham preço. --

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por José do Carmo Francisco às 15:28

Sábado, 29.11.14

«o mundo que eu vi» de genuíno madruga

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Oriundo de uma família de emigrantes, Genuíno Madruga (n. 1950) não seguiu o exemplo dos irmãos e da irmã («A minha América foi a pesca») e aos 13 anos vendeu o seu primeiro peixe (um congro) por 30 escudos. No Peter Café Sport (Horta) Genuíno Madruga conheceu, entre muitos aventureiros do mar,Marcel Bardiaux, cujos livros foram fundamentais para a sua passagem pelo Cabo Horn e pela sua entrada na reservadíssima confraria dos Capitães do Cabo Horn (Chile).
Depois de referir a frase de Bardiaux («Que cemitério de barcos!») sobre os canais da Patagónia, vejamos as memórias da página 91 do livro: «Naveguei sempre que possível pelos mesmos sítios por onde Bardiaux navegou. Por um lado procurei ver e comparar, quais as diferenças ocorridas após cinquenta e seis anos. As ilhas descritas ainda lá estavam, quando ao cascos de navios, nada. Em dois ou três locais, vi restos de navios encalhados, certamente bem mais recentes.» Este volume de 210 páginas, regista em texto e imagem a segunda viagem de Genuíno Madruga dobrando o cabo Horn do Atlântico para o Pacífico. Iniciada em 25-8-2007 e terminada em 6-6-2009, já antes o grande navegador português tinha efectuado outra viagem de circum-navegação começada em 28-10-2000 e concluída em 18-5-2002. No seu veleiro «Hemingway» deu a segunda volta ao Mundo e só lendo página a página se entende o alcance de um feito como este: mesmo sendo um homem do Mar procura sempre em Terra inteirar-se da vida da comunidades portuguesas por onde passou. Em suma – uma Peregrinação no século XXI. (Editora: Ver Açor, Prefácio: Carlos César, Testemunho: Fernando Menezes, João Gomes Vieira, João Bosco Mora Amaral, Sidónio Bettencourt, Nota final: Fernando Ranha, Design: Helder Segadães, Fotos: Nuno Sá, Pedro Madruga, Marco Dutra, Margarida Madruga, Beatriz Madruga e André Brandão) --

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por José do Carmo Francisco às 12:03

Sexta-feira, 28.11.14

de soeiro pereira gomes a daniel de sá - ou a verdade e o rigor

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O mais recente livro que li e sobre o qual assinei uma nota de leitura foi «As rosas de Granada» de Daniel de Sá que o assina com o pseudónimo de Ahmed Ben Kassin. No ponto final da minha nota escrevo a data de 1585 que retirei da página 21 do livro mas afinal a data correcta da morte do emir Muley Assam é 1485. Minutos depois de ter colocado «on line» o texto e a imagem da capa, um especialista em temas de História explicou-me o que qualquer boa enciclopédia pode dizer: a morte de Muley Assam (ou Muley Hacén na grafia de Espanha) aconteceu de facto em 1485 e não em 1585. Sou o primeiro a pedir desculpa aos poucos leitores deste Blog e não me desculpo com o facto de ter copiado uma referência do livro («As rosas de Granada») ao qual fazia a recensão. Por mero acaso e parece de propósito passou-me pela frente dos olhos o livro «As terras e os homens» de Vasco Callixto (Universitária Editora) onde na página 95 se pode ler o seguinte: «Evocam-se no Museu de Alhandra figuras de relevo nascidas na vila como o escritor Soeiro Pereira Gomes e o etnólogo Francisco Câncio, havendo salas consagradas a outros alhandrenses ilustres». Ora a verdade é que o escritor Soeiro Pereira Gomes nasceu em Gestaçô (Baião) em 1909 e morreu em 1949. Viveu de facto em Alhandra mas não é natural de Alhandra tendo escrito, entre outros, um livro maravilhoso – «Esteiros» - e a sua dedicatória «para os filhos dos homens que nunca foram meninos» ainda hoje me arrepia e emociona. Em Fevereiro de 1971 saiu o livro «Esteiros» na colecção livros de bolso da Europa América mas a capa inclui um erro crasso – nele se escreve que o escritor nasceu em 1910 e em vez de concelho de Baião refere-se o distrito do Porto. Mas isso já é outra história e motivo para outra conversa. As gralhas são uma praga em multiplicação. --

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por José do Carmo Francisco às 12:20

Sexta-feira, 28.11.14

«trabalhos e paixões de fernando assis pacheco» de nuno costa santos

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O título desta crónica biográfica de Nuno Costa Santos (n.1974) sobre a vida e a escrita de FAP é uma homenagem ao seu livro de ficção, editado em 1993, «Trabalhos e paixões de Benito Prada». FAP (1937-1995) nasceu em Coimbra mas odiava as praxes («Era um futrica – não era um estudante de capa e batina») embora amasse muito a sua cidade: «O paraíso o que é? Deve ser a paz com certeza. Deve ser o Verão, a bondade, o estômago cheio, a água do mar e com certeza não haver casas nem gente a mandar em ninguém e tudo porreiríssimo da vida a ver passar uma coisa que não existe no paraíso: os comboios». No bar de Letras em Coimbra já FAP era um incansável leitor - «Fernando Pessoa, Steinbeck, Faulkner, Joyce, Virginia Wolf». A sua entrada no jornalismo surge como terceira hipótese depois de um leitorado na Alemanha (cuja resposta tardava) ou ser professor de liceu na província (que não o seduziu) e entra aos 28 anos de idade no Diário de Lisboa. Pelo meio a guerra em Angola de 1963 a 1965: «Dizem que a guerra passa: esta minha / passou-me para os ossos e não sai». FAP via assim o jornalismo: «Para um jornalista o conhecimento dos outros homens, isto é, do homem, se não for paixão não é coisa nenhuma e então de que vale a pena ser jornalista?» Já sobre a literatura tinha esta opinião: «O poeta deve buscar um acordo com a realidade, sua e dos seus próximos humanos. Deve interpretar essa realidade, livrá-la da ganga que a acompanha, joeirá-la». FAP deverá ter ficado pasmado com o que lhe aconteceu em São Tomé quando visitou a ilha como repórter de O Jornal: «os empregados de uma roça diziam lembrar-se do seu avô e tinham uma fotografia que era afinal do rei Jorge VI»… Infatigável caçador de gralhas, FAP teria achado graça a algumas: na página 29 Wolf por Woolf, na página 65 a fundação do República em 1971 (foi em 1911) e na página 149 Camarão por Caramão da Ajuda. (Editora: Tinta da China, Capa: Vera Tavares) --

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por José do Carmo Francisco às 08:48

Quinta-feira, 27.11.14

«As rosas de Granada» de Daniel de Sá

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Daniel de Sá (1944-2013) sempre sentiu um enorme fascínio pela cidade de Granada e daí o nome que inventou em 31-3-2011 para assinar os seus poemas como se fosse um poeta árabe dessa cidade – Ahmed Bem Kassin. A dedicatória («Para ti, Calie») parece expressar o anagrama de Alice, tal como Carlos de Oliveira transformou Ângela em Gelnaa. Tudo neste livro de 43 páginas forma um duplo registo no qual as batalhas, as prisões, as mortes e os amores dos protagonistas são um reflexo discreto da vida verdadeira do poeta – com os seus problemas, obstáculos e dificuldades quotidianas. De modo hábil e feliz, Daniel de Sá ergue a voz do seu poeta de Granada e proclama em cada poema o inventário de um percurso. Nesse caminho cabe o amor. Umas vezes o amor da mulher amada («A visão da minha amada é a minha alegria») outras vezes o amor dos filhos prisioneiros («Se eu tivesse o mundo, trocá-lo-ia pelos meus filhos») ou ainda o amor na brevidade do tempo: «A minha amada / faz-me a vida mais curta. / Junto dela / todo o tempo é breve.» A vida em Granada tem um calendário próprio: «O camponês deseja o Verão / para colher os frutos do seu trabalho. / Mas o guerreiro teme-o / porque é o tempo de matar e de morrer.» O título do livro vem do poema «As rosas de Granada» como prenúncio de um exílio na página 36 («Quantas vezes hei-de chorar-te, Granada?») que a página 40 acentua: «Oh, como estou longe agora da minha amada! / Não posso ver a luz dos seus olhos / nem sentir a maciez do seu corpo. / O orvalho nas rosas são lágrimas.» Na sombra deste livro existe a verdadeira guerra entre El Zagal e Boabdil depois de o segundo ter roubado o trono a seu pai (Muley Assam) mas com a vitória final de Isabel de Castela e Fernando de Aragão. Boabdil partiu para o exílio de Marrocos depois de chorar Granada e a morte da sua amada Morayama. Tudo isto aconteceu em 1585 mas a poesia faz uma aproximação, ligando de novo tudo o que o Tempo separou. (Editora: Ver Açor Lda, Design gráfico: Helder Segadães) --

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por José do Carmo Francisco às 13:58

Quinta-feira, 27.11.14

«os mortos tratam-se por tu» de fernando grade

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Cinquenta anos depois da estreia em livro (Sangria – Guimarães Editores), Fernando Grade celebra a efeméride com este Os mortos tratam-se por tu. Desde 1962 o autor assinou 29 títulos de poesia, 3 de prosa e 1 de teatro, além da sua participação em volumes colectivos onde se inclui a colecção Viola Delta em publicação permanente desde 1977. A enumeração de mais de mil nomes de mortos queridos é uma homenagem e, pela memória convocada, uma forma de poesia. Entre os nomes há gente não só das Artes e das Letras (Soeiro Pereira Gomes, Eduardo Guerra Carneiro, Mário Ventura Henriques, José Gomes Ferreira ou Maria Helena Vieira da Silva) mas também do Desporto: Matateu, Barrigana, José Travassos, Artur Quaresma, Vítor Baptista. Amália Rodrigues surge como «ladra de rosas (amarelas)» e o seguinte verso no inventário é «o ladrão de coelhos». Ora ladrão de coelhos pode ser lido como segundo sentido de «Os mortos voados». Os mortos que voaram (partiram) para uma terra onde a verdade é a norma. Eles são o passado, o que não regressa. O ladrão de coelhos é a figura que não volta, já ninguém cria coelhos em casa e, tal como as galinhas, os coelhos são criados em instalações industriais. O ladrão de coelhos é a legenda de um tempo passado, um tempo que, como os mortos, voou para o alto, lá no meio azul das nuvens. Neste registo surge o nome do Catitinha. Ele andava pelas praias da Linha de Cascais, Sintra e Oeste para avisar os meninos e as meninas de que devem ter cuidado ao atravessar a estrada. Sempre vestido de fato completo, o Catitinha na praia era o alvoroço e o desconcerto. Diziam que um filho seu tinha sido atropelado. Quem sabe? Talvez sim. Dizem que não há fotografias do Catitinha. Fernando Grade (que nasceu na Praia da Poça) cola o seu retrato ao lado de grandes nomes das Artes e das Letras, da Política e do Desporto. O Catitinha não morreu. (Edições Mic, Capa: Fernando Grade, Notas: David Mestre, José Fernando Tavares, Nuno Teixeira Neves, Poema: José Manuel) --

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por José do Carmo Francisco às 09:33

Quarta-feira, 26.11.14

«desporto com política» de antónio simões

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O jornalista António Simões (n.1963), autor de «Glória e Vida de Três Gigantes» (com Homero Serpa e José do Carmo Francisco) volta à História do Desporto português com esta reportagem (Prémio Norberto Lopes -Casa da Imprensa) agora editada em livro. Livro é termo genérico mas a variedade, a riqueza e a raridade de muitas das imagens faz deste volume de 316 páginas uma verdadeira fotobiografia do Desporto em Portugal entre o fim da Monarquia e o tempo actual. Quanto ao texto regista-se uma dupla inscrição: rigor e paixão. O autor sabe que só existe História com documentos: «Em 13 de Setembro de 1908 o Sport Lisboa e o Sport Clube de Benfica fundiram-se – e nasceu o Sport Lisboa e Benfica». Mas também sabe pintar cenários de paixão nos sucessivos capítulos desta aventura do desporto em Portugal. Por exemplo Almada Negreiros: «Em 1913 a fama estoirou com a peça publicada na Ilustração Portuguesa: Um corner de Football. Conheceu Fernando Pessoa, ambos entraram no Orpheu. E quando Júlio Dantas, o guru da literatura conservadora, amesquinhou a revista dizendo que não percebia tamanho alarido em seu redor, eram apenas páginas de pessoas sem juízo, deu-lhe mordaz e irónico, réplica com O Manifesto Anti-Dantas.» Em António Simões a formação universitária não atropela o gosto de ficcionar ambientes. Como quem junta num único estilo de escrita a seriedade de Alexandre Herculano e o colorido de Fernão Lopes. Veja-se a primeira bola na Casa Pia: «Deslumbrados com a novidade, os alunos da Casa Pia inventaram as «cheias»: bolas de trapo e papéis. Francisco Margiochi, o provedor, mandou vir de Londres, pago do seu bolso, bola a sério – e entregou-a, solene, no Pátio das Malvas a Januário Barreto». Ou as palavras de Teixeira Gomes: «O Campeonato de Portugal começara em 1922. Na primeira edição ganhou o F.C. Porto, na segunda ganhou o Sporting. E à terceira o vencedor saiu de uma caixinha de surpresas: o Olhanense. A sua estrela era Raul Tamanqueiro. No final do jogo, Teixeira Gomes chamou-o à tribuna para o cumprimentar… - E que trouxesse os companheiros também!» Nota final – Foi num jornal caldense que António Simões se iniciou no jornalismo com 16 anos assinando uma reportagem sobre um grave problema da sociedade: a prostituição juvenil. (Edição: Imprensa Nacional-Casa da Moeda, Prefácio: Vítor Serpa, Apoio: A BOLA e CNCCR, Design: Henrique Cayatte, Ana Machado e Rita Múrias, Iconografia: Inês Queiroz) --

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por José do Carmo Francisco às 10:53

Terça-feira, 25.11.14

«loja, contra-loja e armazém» de carlos garcia de castro

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Carlos Garcia de Castro (n. 1934) é autor desde 1955 de 7 livros de poemas – o mais recente é Gloria Victis de 2007. Neste livro de memórias, o ponto de partida é o seu olhar para dentro da loja de seu pai: «Das poucas vezes que agora vou à loja – é estranho. As prateleiras não têm peças de panos. Os riscados, popelinas, os percais. As chitas, as gorgorinas, as gangas e as flanelas. Os cotins. As sarjas. Os surrobecos.» O autor apresenta-se («Cresci duma casa para a loja e para a minha rua. Sou da cidade.») e apresenta o seu livro: «este livro que fala da minha terra não a ultrapassa nem ilumina, é decididamente paroquial.» Nas suas páginas, diversa poesia surge intercalada embora o seu autor tenha advertido: «a Poesia quase não é procurada nas livrarias». Memória de um tempo e de um mundo, a família e o comércio são dois dos pilares do texto: dos irmãos António, Miguel e Maria de Jesus aos netos Mafalda, Madalena, Diogo com passagem pela divisa «O comércio é para servir mas não é criado de ninguém». Nascido na Rua dos Violeiros, sempre o autor gostou de Tunas: «Conheci-os muito bem. O sr. Madeira, violino. Os irmãos Facha, violino e guitarra. O sr. Testa. O sr. Rosado, acordeão. O Amaral com o banjo. Mestre Carvalho, acordeonista. Era a Tuna. Passava devagar.» Dentro da Cidade, surge a Loja: «Para a loja convergiam e da loja emergiam as operações e os ritmos particulares das nossas vidas. Não consigo lembrar esta cidade sem lembrar a loja». Ao longo de 213 páginas o autor mantém o projecto: «Dizer por escrito: a minha terra; a nossa casa; a loja; os rapazes (empregados); os meus pais - não cabe na literatura. Não sendo já saudade, é sentimento e sinal». O tempo da loja não era só trabalho; havia baile no salão: «Bota cá l´cença! Era a senha de quem vinha e queria bailar com aquela». Se o par se negava a transitar a rapariga, «havia porrada, todas as noites, ao sábado no salão». A memória tem coisas tangentes à realidade de agora, como o Banco de Portugal desse tempo: «Solene como uma igreja, onde se falava em surdina aos guichets, confessionários. Um luxo estático. Sobranceria. Riqueza. Discrição nos movimentos. Concentração. Tudo lá parecia uma cerimónia, os ritos apropriados, liturgia, exactidão, ameaça. Não lhes sabia o sentido». As oito páginas de fotobiografia tornam o volume ainda mais fascinante. (Edições Colibri, Capa: Raul Ladeira, Editor: Fernando Mão de Ferro) --

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por José do Carmo Francisco às 12:38

Segunda-feira, 24.11.14

«rio sem margens» de zetho cunha gonçalves

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Zetho Cunha Gonçalves (n.1960) viveu a infância e a adolescência no Cutato (Kuando-Kubango) estudou no Huambo e em Santarém, tendo-se estreado em livro com «Exercício de Escrita» em 1979. Poeta, tradutor, autor da área infanto-juvenil, organizador de antologias e edições especiais (Fernando Pessoa, Mário Cesariny, António José Forte, Natália Correia), Zetho Cunha Gonçalves regressa neste livro à sua Angola a que chama «pátria inaugural da Poesia». Partindo da poesia de tradição oral de Angola, Moçambique, Etiópia e México, o autor que dedica o livro a Óscar Ribas e Ruy Duarte de Carvalho, desenha uma gramática do Mundo nestes 27 poemas. Vejamos a geografia num poema Cabinda: «Tem uma mulher três filhos:/dois com o juízo perfeito, /o terceiro é demente/ - o Céu, a Terra / e o Mar». A vida e a morte surgem num poema Kwanyama: «Figueira-brava. / De um lado, /os ramos / carregados de frutos maduros. / Do outro /jovens folhas despontando. / Assim os homens:/ - uns a morrer, / outros a nascer.» O título do livro nasce de um poema Umbundu: «Aprende a andar /pequena gazela /aprende a andar: / -um dia, / encontrarás / rio sem margem!...» A busca de Deus na tradição Umbundu («Deus está tranquilo. /Deus é como o vento. / Deus é feiticeiro.») liga-se ao olhar sobre a morte da tradição Cabinda: «Uma criança / morreu / - é um morto. / Um velho, rico e poderoso, / morreu / - é um morto». Esta poesia pode ser vista por muitos como primitiva mas para o autor é a «mais moderna, a mais viva e imperecível ou seja: a derradeira guardiã da memória da Humanidade». (Editora: NÓSSOMOS, Capa: Gravura rupestre do Kaningiri – Angola) --

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por José do Carmo Francisco às 20:44

Domingo, 23.11.14

«campinas - a mulher ribatejana» de aurélio lopes e bertino martins

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O Estado Novo sempre insistiu na trilogia «Ribatejo-Toiros-Campinos» rasurando não só a Charneca e o Bairro em detrimento da Lezíria mas ofuscando os outros habitantes da Lezíria: os camponeses e os pescadores. O discurso dominante em Portugal endeusou a figura do campino; esta situação já tinha sido estudada por Aurélio Lopes em «Vale de Santarém: o Bairro e a Lezíria». A intuição dos escritores sempre esteve contra a corrente. Não é por acaso que José Loureiro Botas em 1938 no conto «A Leandra» dá voz à mulher (não ao homem) no relato do naufrágio no Tejo de um barco de Avieiros no seu livro de 1940 «Litoral a Oeste». Aurélio Lopes explica: «As mulheres eram trabalhadoras jornaleiras, como o homem. Tinham a sua praça todas as semanas, onde iam vender, igualmente, a sua força de trabalho. Aí discutiam preços e condições com capatazes e proprietários. Daí saíam, para trabalhar, afastadas dos maridos, às vezes por dezenas de quilómetros. Algumas, aliás, eram capatazas, habituadas a comandar grupos de trabalhadoras, servindo de porta-voz perante o feitor ou o proprietário.» A mulher trabalha mas também canta: «Cantava-se na Igreja, em casa (…),nos rios (…),nos trabalhos campestres (…),nas idas e vindas de muitos percursos(…), na apanha da azeitona ou na vindima, na monda ou na desfolha, a solo ou com acompanhamento de alguns dos companheiros (…) ao desafio assumido entre homens e mulheres». Mas a mulher do Ribatejo, a Campina do título do livro, também dança o fandango. Em 1772 Richard Twiss escreveu «o estalajadeiro de Mafra dança com a sua mulher o fandango ao som da guitarra» e em 1948 Álvaro Valente recorda a mulher a quem o marido pediu: «Ó Eufema chega uma trepa nesse franganote, não vá ele julgar que aqui não há quem saiba bailar o fandango!». Bertino Martins, musicólogo, encarrega-se das partituras e dos versos do Cancioneiro regional ribatejano entre as páginas 85 e 145 deste livro bem oportuno sobre um mito do século XX. (Editora COSMOS, Prefácio: Ludgero Mendes, Fotos: Lopes Pires, Elias Rodrigues, António Pote, Manuel João Barbosa e Museu Municipal de Benavente) --

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por José do Carmo Francisco às 11:32

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