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Transporte Sentimental



Sábado, 11.10.14

mário de carvalho - festejar os 70 anos com um livro

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«A liberdade de pátio» de Mário de Carvalho Mário de Carvalho (n. 1944) estreou-se em 1981 («Contos da sétima esfera») e tem sido um devotado praticante do conto sem esquecer os seus romances, o teatro, as novelas e a literatura infanto-juvenil. Leitor ávido que sou do conto em geral e praticante obscuro, faço uma declaração de interesses prévia: publiquei contos em «Os guarda-redes morrem ao Domingo» e sou um apaixonado da arte. Fico feliz por ver um Nobel atribuído a uma contista canadiana e admiro os contos dos nacionais como Irene Lisboa, Lídia Jorge, Ondina Braga e Judite de Carvalho ao lado dos internacionais como Tolstoi e Borges, Tchekov e Kafka.

Em «A cabeça de Mânlio» surge o esplendor do insólito: alguém que transporta a cabeça de um cadáver (diferente de um defunto) não pode entregar essa cabeça no destino porque se «acabaram as senhas». O dito normal (falta de senhas) abafa o esquisito (transporte de uma humana cabeça). Já em «A liberdade de pátio» aparece a metáfora perfeita do nosso tempo e da nossa vida: temos liberdade para votar de quatro em quatro anos mas depois os nossos eleitos votam entre si num sentido oposto aos nossos interesses, direitos e aspirações, levando o governo e a coisa pública para o «estado a que isto chegou». Mário de Carvalho não é indiferente às questões da linguagem; não por acaso surgem no seu conto expressões vernáculas como «cintura de vespa», «magala», «pronto», «asilo», «bisonha», «lacaio», «baiúca» e «colchão de palha». No conto «Os caminhos do sucesso» o autor transforma a emigração dos jovens portugueses (que é uma tragédia) numa coisa divertida e, num certo sentido, escreve à imagem de Dinis Machado que mesmo num funeral perguntava sempre - «Qual é o lado cómico disto?» A propósito do caldo verde em Inglaterra pergunta Mário de Carvalho: «Como é que um povo que conheceu tardiamente o chá e o garfo, que bebe vinho do Porto fora do Natal, que tem o palato habituado ao rosbife, que ainda não se reconciliou com o alho e tolera os kebabs, haveria de se acostumar ao caldo verde?» Já em «A força do destino» juntam-se quatro homens, todos professores aposentados, remediados e opiniosos - «eram todos viúvos, o que é uma condição irritante e, sobremaneira, antinatural». Mas este é um país de coisas insólitas: «um golfista experimentado fulminou um pobre pássaro que deambulava ao longe, um sem-abrigo encontrou uma mina de ouro quando se recostava num barranco para dormir e o Presidente da República de Portugal curou um cego pela mera imposição das mãos». Nota final: em «O passe social» percebe-se como em tempo de promessas por cumprir um empregado do Metro persegue um pobre utente que lhe perguntou pelo «passe» tendo ele vislumbrado na pergunta uma promessa de compra. E tão firme e solene que tudo se cumpre mesmo depois da sua morte. (Edição: Porto Editora, Colecção: Obras de Mário de Carvalho) --

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por José do Carmo Francisco às 16:01

Sábado, 11.10.14

aurélio lopes - talvez agora fique bem a foto da capa

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por José do Carmo Francisco às 09:29

Sábado, 11.10.14

«vida e morte de um culto popular - a santa da ladeira» de aurélio lopes

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«Vida e morte de um culto popular – A Santa da Ladeira» de Aurélio Lopes Aurélio Lopes (n. 1954) começa por abordar o papel dos místicos e videntes na religiosidade cristã que se define deste modo: «O Cristianismo é uma religião revelada, soteriológica, escatológica, apocalíptica e militante». Mas quando o vidente («que vê o Mundo como uma perpétua luta entre o bem e o mal») começa a reclamar uma construção («capela, igreja ou santuário») para morada terrena da entidade divina, surgem os problemas. Tal é o caso da «Santa da Ladeira», Maria da Conceição (1930-2003) que foi «santa» para os apaniguados e «bruxa» para os opositores. O autor explica: «Até 1968 o culto resumia-se à oração orientada pela Maria da Conceição e aos fenómenos extáticos e catalépticos interpretados por esta e por alguns acólitos. A partir daí, com a chegada dos padres estrangeiros, iniciam-se as celebrações litúrgicas em paralelo com a cultualidade frenética e emotiva da taumaturgia mística». Nos anos 60, Maria da Conceição afirmou a Baptista-Bastos que teve «púrpura» (leucemia) e foi curada mas o jornal «Actualidades» de 10-6-1972 desmente: «Isso não é verdade. Ela nunca teve essa doença como pode verificar-se no Hospital da Golegã onde esteve internada». As autoridades judiciais encerraram o espaço da Ladeira do Pinheiro entre 20-8-1972 e 5-5-1974 mas tal situação, além de ter transmitido à seita uma natural euforia na reabertura, levou a que, no discurso da «santa», o nome de Heitor fosse substituído por Enoch, o profeta que foi levado para o Céu com Elias. As fragilidades culturais são compensadas pelas palavras vigorosas a interpelar os seus «fiéis»: «Há um ano que vos ando a pedir para salvarem o terreno da Ladeira. Todos têm amor a cinquenta contos e então o amor à alma? Que vale mais, a alma ou cinquenta contos?» Aurélio Lopes define a figura em três linhas: «Ela é insignificante, mas…Deus escolheu-a. Ela, às vezes, é brusca mas… as pessoas seguem-na. Ela «não se considera santa»; são, depreende-se…os outros que a consideram!». A mesma ironia do autor surge no texto sobre o maná: «Se o «maná» caiu no deserto para alimentar o «povo escolhido», também há-de cair na Ladeira, para alimentar os escolhidos do povo». A relação entre a Ladeira do Pinheiro e Fátima surge no livro: «Num caso, três crianças de tenra idade, rústicas e analfabetas, num tempo em que o mundo se resumia, ainda, à aldeia. Noutro um mulher madura, inculta mas carismática, num tempo em que o espaço social se tinha expandido e universalizado.» Por fim o insólito: o reconhecimento por uma Igreja, solicitado ao longo dos anos pela «santa» («O Senhor Cardeal que venha estar comigo») acontece em 1977 quando D. João Gabriel, arcebispo ortodoxo, aprova as «aparições» mas a sua morte em 1997 vem alterar a situação. Os ortodoxos afastam em 2004 a sucessora designada pela «Mãe Maria» («Teresinha») e disciplinam do culto, no seguimento da sua recusa em aceitar a designação de «santa». Para estes responsáveis, Maria da Conceição («mulher do povo, rústica e praticamente analfabeta») sempre foi referida apenas como «iluminada», «profeta», «vidente» ou «mensageira de Deus». (Editora: Apenas Livros, Direcção: Ana Paula Guimarães, Revisão: Luís Filipe Coelho, Patrocínios: IELT/FCT) --

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por José do Carmo Francisco às 09:21


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