Quinta-feira, 21.08.14
Esta é uma fotografia a cores da igreja da nossa terra, Santa Catarina; julgo que ambos fomos baptizados na mesma pia de água benta talvez pelo Padre Rebelo, enfim, tudo isso é possível. Tal como pode ser possível alguém ler este texto e promover um contacto entre nós. No autocarro da Carris na Estrada de Benfica foi tudo demasiado rápido. Isto acontece tantos anos depois da infância comum, nas mesmas festas, procissões e arraiais com a quermesse e o leilão com a frase - «Quem dá mais ó debote?». Ainda te lembras das peças de carne com o ramo de louro por cima? Ainda recordas os rapazecos de camisa branca e calça preta, todos felizes a gritar sem repararem no seu erro de ortografia? E isso não contava para nós. Contava era o sol, o pó, a luz da tarde, os pendões e as bandeiras, os estandartes dos santos na procissão com a Filarmónica Catarinense a tocar a «Dina» ou a «Miraculosa». E depois nas tabernas as gasosas eram retiradas dos cestos de verga, todas elas tinham um poço e a frescura das gasosas não era do gelo mas da escuridão e da água onde o sol não podia chegar. Não havia gelo na nossa terra e só o homem do talho tinha algum mas era para gasto de casa. Todos tinham uma alcunha, o filho do «Miga» era o «Si» embora se chamasse João. Tudo era um mistério na nossa vida, a estrada era de maquedame, apareciam poucas camionetas de armazenistas de mercearia – Zé Militar ou Sebastião dos Santos Vazão de Alcobaça. Os poucos turistas perdidos ouviam a fase do costume: «Quem te escreveu que te leia!» Gostava de saber onde moras. Eu estou nos blogs «transporte sentimental» e «emboscadas do esquecimento», na Revista Ler, na Gazeta das Caldas. Gostava de saber de ti. Se alguém puder ajudar eu fico agradecido. Como diziam os cauteleiros do passado - «Há horas de sorte!» --
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por José do Carmo Francisco às 09:25
Quarta-feira, 20.08.14
Nota – a conservadora do Museu «leonino» nada tem a ver com isto pois conserva (com dedicação, competência e esforço) um património que alguns burros lhe entregaram em 2006 quando o clube pagava 2.500 euros mensais a «especialistas» mas só havia 350 euros mensais para os redactores do Jornal. Quando nos anos 90 eu fiz parte do Júri das Marchas de Lisboa, conheci pessoas que se referiam à Marcha de Benfica como a marcha dos burros. De facto a memória dos burros de quatro patas, muito presente na Marcha nos anos 40, 50 e 60, manteve-se pelo tempo fora. Mas os burros mais perigosos não são os de quatro patas, são os de duas patas. E os que escrevem, esses então, são perigosíssimos. No passado dia 19-8-2014 visitei o Museu do Sporting e saí de lá revoltado porque há burros de Benfica no Museu «leonino». A burrice explica-se assim: aparece a data de 1-12-1907 como o primeiro derby. Trata-se de uma monstruosa mistifacção pois o SLB foi fundado em Setembro de 1908 e, por essa razão, não poderia jogar em Dezembro de 1907. Nessa altura existia outro Clube (Grupo Sport Lisboa) que se fundiu em 1908 com o Sport Clube de Benfica dando origem ao SLB com um emblema onde os aros da bicicleta surgem ao lado da bola. O novo clube tem um novo emblema que integra bola e bicicleta – bola do Sport Lisboa e bicicleta do Sport Clube de Benfica. Explicações para esta burrice talvez um livro (Repórteres e Reportagens de Primeira Página) do Conselho de Imprensa e da autoria de Jacinto Baptista e António Valdemar no qual surge a burricada. Afirma-se nas suas páginas que o primeiro derby foi em 1-12-1907 mas como os jornais de época (O Século e Diário de Notícias) dizem a verdade, os autores foram às fontes e emendaram os textos acrescentando «e Benfica» com um parêntesis recto. É uma situação repugnante pois as fontes não se alteram, são para respeitar. O que está escrito nos jornais de 2-12-1907 não pode ser modificado. O mesmo erro crasso se vê no Museu Salgueiro Maia em São Torcato (Coruche). Ah, como são perigosos os burros de duas patas! --
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por José do Carmo Francisco às 14:41
Quarta-feira, 20.08.14
Andei anos à procura do livro da Associação de Futebol de Lisboa no qual as páginas 362 e 363 são dedicadas a José Manuel Soares, o malogrado Pepe. A sua carreira foi curtíssima – dos 16 aos 22 anos. No seu último jogo foi capitão pela primeira vez. O nome oficial do Estádio do Restelo é «José Manuel Soares» e a AFL organizou um torneio em 1937/1938 em sua homenagem tendo sido brilhante vencedor o Desportivo da CUF. Dedico este trabalho de pesquisa e divulgação com um forte abraço ao jornalista Luís Alberto Ferreira: «Morreu um jogador! Um garoto pequeno que andava por Belém, simpático e moreno. Tinha um sonho vulgar, humilde e pobre, anónimo, singelo!...Um sonho que se encobre em timidez discreta… Um sonho dos que sonha o Povo que é Poeta… E sob a ganga azul do fato de macaco um grande coração, dentro dum peito fraco, pulsava generoso, acolhedor e audaz… Era a alma do povo em corpo de rapaz! Havia ali na rua um rés-do-chão caiado onde ao vir do trabalho, ele ia deslumbrado falar a uma pequena …que era também morena! Ela esperava-o, detrás da cortina de cassa, uma cortina branca apanhada com folhos… E os seus olhos baixavam-se a sorrir, numa infinita graça! E ao trabalhar de dia, ao banco de torneiro altivo, independente, alegre e galhofeiro o Pepe de Belém não odiava ninguém! Parece que o estou vendo agora como então nessa tarde em que foi o herói da multidão! O campo estava cheio. A pino um sol de Maio. O «team» entra veloz. Vinha à frente um catraio e ouvia-se gritar: «O Pepe vai jogar!» Alinham os azuis. Os «keepers» vão de branco. Final do campeonato. O jogo é um arranco Para ver quem lança a mão ao troféu que pertence a club campeão! O povo a meio tempo, exigente, irritado, Reclama um jogo duro, um jogo castigado, E obriga-se a faze-lo a gente do Restelo. Há nervos… Só o Pepe, humílimo e pequeno continua sereno! Mas nisto, como um raio, intenso, fulminante, esse garoto corre e voa e passa adiante e domina! Atravessa o campo lés-a-lés, com a bola entre os pés! Tão rápido e felino o pardalito salta, que passa mesmo à capa um jogador pernalta um grande matulão! Delira a multidão! «Vamos! Carrega! Anda! Ó Pepe passa já! A bola não está fora! A bola é nossa! Vá!» Numa arranco final, violento, triunfal, causando assombro e pasmo aos jogadores mais velhos, tinha chegado o Pepe à rede dos vermelhos! Um grito! Confusão Um «goal»! Aplausos! Nisto, envolta em poeirada, heróica, esfarrapada, surgiu a camisola azul com a Cruz de Cristo! Não mataram o Pepe! E matá-lo porquê? se ele tinha no olhar essa expressão de fé, - de fé e confiança que tem uma criança!» --
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por José do Carmo Francisco às 08:18
Terça-feira, 19.08.14
O convite do Director foi objectivo: «Depois de nos terem lido, escrevam-nos!». Começo com uma saudação ao Vasco Castro (n.1935), notável desenhador e pintor do qual tenho um Camilo Castelo Branco cheio de génio e de bexigas no corredor da casa. Vivendo neste Mundo, Vasco faz desenhos do outro Mundo. Este pormenor da data do nascimento não surge por acaso. É que as senhoras colaboradoras escondem a sua idade. Vejamos que tanto Rosália Vargas como Maria Eduarda Rosa e Amélia Muge não revelam a data de nascimento ao contrário de Albano PIres Marques, Agostinho da Silva, José Leite de Vasconcelos, Jaime Lopes Dias, José Rabaça Gaspar, Manuel Lopes Marcelo ou Pedro Berhan da Costa. Nesta diferença entra a falta de uma «arte final» na Revista. Se alguém acrescentou as datas de nascimento e morte de Agostinho da Silva, José Liete de Vasconcelos ou Jaime Lopes Dias, deveria ter deito o mesmo para as colaboradoras mantendo assim uma uniformidade informativa. Depois faltou verificar o nome de Rosália Vargas que não pode ser Rosalia à espanhola. Depois os livros da página 9, todos eles com aspecto de serem em sueco, norueguês ou finlandês – até parecem uma estante do IKEA. O ponto alto do insólito é a página 13: uma senhora escreve que «escolheu para nascer uma ilha» quando nós sabemos que o nascimento de cada um depende da parturiente e não da vontade do pequeno ser ainda na placenta materna. Além disso ninguém nasce numa ilha mas sim numa freguesia – como se diz nos Açores quando nós dizemos aldeia. Seria cómico se não fosse triste porque mais à frente a senhora refere que foi mãe (não diz de quantos filhos), que plantou árvores (sem dizer quantas) e escreveu livros (não diz os títulos). Tudo isto se evitava se a «Viver» tivesse uma redacção capaz de distinguir fichas biográficas de colaboração solicitada. Em termos de grafismo a «Viver» apresenta um director de braços cruzados, um editor com dois pares de óculos e uma directora-adjunta que não aparece. Também as páginas 5 e 17 são de leitura difícil pelo fundo negro e os títulos dos livros do professor Lopes Marcelo não surgem nem com aspas nem em itálico ou negrito. Também me parece errado o título «Viver em mundo rural» pois parece mais próprio o uso do «em» para espaço, ambiente ou realidade. Deverá ser «No mundo». Para terminar uma sugestão: leiam o blog «aesfingedebronze» de Aurélio Lopes, um antropólogo da Beira Baixa, nascido nos Cunqueiros (Proença-a-Nova). Trata-se de um especialista (talvez o maior português vivo) em folclore e religião popular. Vale a pena a «Viver» conhecer o seu trabalho. --
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por José do Carmo Francisco às 10:12
Segunda-feira, 18.08.14
Depois de «Estados d´Alma» de 2003, este «De mãos dadas com o vento» é o segundo livro de Rosa Calisto (n. 1950) e nele se incorporam dois registos maiores: Natureza e Cultura. De um lado a Natureza com a Costa Nova, o Ceará, Buarcos, Conímbriga e Moçambique: «Nascida, nascida / entre a morte / entre a miséria / e a má sorte. / Pobreza e fascínio. / Conquista e domínio / da mãe natureza / mais madrasta / que mãe / nesta Lichinga. / Renegada maternidade / Desprotegida África.» De outro lado a Cultura com poemas para a memória de Albert Camus, José Régio, Miguel Torga, José Afonso e Carlos Paredes: «Quero ser / a guitarra / abraçada / afagada / tangida / gemida / coroada. /Quero ser / a guitarra / de voz / terna / ciciada / gritada. / Quero ser / solidão / revolta / emoção.» Mas além destas linhas poéticas, outras direcções se anunciam nas páginas deste livro. Por exemplo a oscilação entre a maternidade («As mulheres / a quem aparo os filhos / são também / os meus cadilhos») e a velhice: «Alberga-se / em lares / a solidão / dos que vão / ficando / sem idade. / Desbotada / a vida / igualando / os dias / em sucessões / de nada» Mas também o arco entre o sopro da morte («Quando morrer / meu amor / e cinzas for / lança-me ao vento») e o sopro do amor: «Em outro tecto / te abrigas / nas noites / da minha solidão. / Privilégio nosso / amar / como nos amamos / mesmo na solidão / não há separação.» (Chiado Editora, Prefácio: Luís Machado, Coordenação: Susanne Engel) --
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por José do Carmo Francisco às 10:02
Domingo, 17.08.14
O ponto de partida deste livro de 1967 (com 8 reedições e 19 reimpressões) é a diversidade conceitos de literatura que vão da produção literária de uma época ao conjunto de obras que ganham feição especial pela sua origem, temática ou intenção. Sem esquecer a bibliografia existente sobre um determinado assunto. Mas há mais. O ponto de chegada é o romance enquanto fenómeno literário. Começando na sua origem («romance deriva do advérbio latino romanice que significa à maneira dos romanos») Vítor Manuel Aguiar e Silva (n.1939) estuda o romance desde o formato da Idade Média até à actualidade, numa digressão sobre as obras de (entre outros) Camilo Castelo Branco, Eça de Queirós, José Cardoso Pires, Carlos de Oliveira, Flaubert, H. Fielding, Cervantes e Laurence Sterne. É impossível sintetizar 786 páginas de texto; fiquemos com algumas palavras do autor sobre a importância da literatura hoje: «Contra a maré alta do ódio, da barbárie e da indiferença egoísta é necessário redescobrir em tantos milhões de condenados o rosto desfigurado da mulher e do homem, seja qual dor a sua etnia, a sua religião ou o seu credo político para defender e respeitar os valores irrenunciáveis da sua dignidade. A literatura e as humanidades em geral não podem eximir-se a este imperativo ético que transcende as ideologias e os compromissos políticos e é inconciliável com bizantinismos estéticos. Depois de Auschwitz continua a haver genocídios, campos concentracionários, tortura e escravidão. É por isso que é necessário que haja poesia e que haja poetas». (Editora: Livraria Almedina – Coimbra) --
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por José do Carmo Francisco às 09:23
Sábado, 16.08.14
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por José do Carmo Francisco às 23:44
Sábado, 16.08.14
No texto anterior cometi o erro crasso de esquecer o «p» de «povoamento» mas há males que acabam em bem. Ao pedir desculpa pelo lapso, tenho a ocasião de falar do outro lado do livro de 2001 da Câmara Municipal de Évora. Estas três fotos de José Manuel Rodrigues testemunham o passado, o presente e o futuro de uma cidade que eu tenho amado desde 1972 e da qual nunca saí verdadeiramente. Ainda estou lá pela Rua dos Mercadores a ouvir o sapateiro a discutir as rivalidades à flor da pele entre o Juventude e o Lusitano. Havia no Hospital Militar de Évora alguns rapazes radicais: «Se és juventudista não entres nesse café!» O Templo de Diana, o Jardim das Canas e as Piscinas Municipais são três imagens de três tempos bem definidos na cidade que se vê ao longe do Cromeleque dos Almendres. Esta água real nas Piscinas e no Jardim (e imaginada no Templo romano) é um sinal de vida. Construo aqui uma saudação ao filho recém-nascido de um amigo em Lisboa. Porque a vida surge da água que rebenta, porque o baptismo se faz com água, porque a sobrevivência só existe com a força da água. Um filho é, nos tempos hostis que correm, um sinal de aventura e de aposta num tempo futuro onde será possível haver juízes que nada vão perdoar mas no momento que corre eles (os filhos) são apenas lágrimas confusas porque ainda não distinguem a noite do dia, a luz das trevas, o ruído do silêncio. Pai de três filhos e avô de três netos, só posso erguer a minha voz pequena, mínima e pobre neste momento ajudada pelas ondas musicais de Ludovico Einaudi fazendo assim desta crónica ansiosa e tímida uma terra de harmonia – como queria Carlos de Oliveira. O mesmo autor de «Finisterra – paisagem e povoamento», a tal palavra que escrevi com erro na crónica anterior. --
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por José do Carmo Francisco às 12:31
Sexta-feira, 15.08.14
Na linha de antepassados ilustres, Pedro Mexia (n.1972) nestes «Diários 2009-2012» recupera a miscelânea literária tal como já fizeram antes Camilo Castelo Branco («Narcóticos»), Brito Camacho («Pó da estrada»), Irene Lisboa («Esta cidade!»), Ruben A. («Páginas»), Carlos de Oliveira («Aprendiz de feiticeiro») ou Fenando Venâncio («Último minuete em Lisboa») isto sem esquecer os «Tablóides» de José Rodrigues Miguéis no «Diário Popular». Em 1978 Jacinto Baptista, seu director, afirmou-me «O jornalista é o historiador de todos os dias». Julgo ser esse o sentido da intervenção de Pedro Mexia: juntar em livro o que há cem anos se chamava «sueltos». Os jornais foram substituídos pelos «blogs» mas a ideia mantém-se – recuperar do pó do esquecimento os textos que se julga poderem resistir ao tempo e passar à posteridade. As anotações breves partem do olhar sobre o autor («Já sei que de mim nada fica mas não acho a vida menos digna de ser vivida por causa disso»), o seu estado («celibatário é o homem que conseguiu não encontrar uma mulher») e o seu pessoal pessimismo («Ser pessimista é sobretudo cansativo. Todos os dias o mundo confirma a ideia que temos do mundo») mas o foco é a vida em sociedade: «O meu melhor leitor é aquele cavalheiro que um dia me disse: Não me interessa nada a sua vida mas gosto muito do que escreve». Pedro Mexia é um homem de palavras - «Leio num dicionário que «aceitação» é antónimo de «resistência». Talvez por isso tão pouca gente compreenda esta minha atitude que se podia definir como «uma resistência feita de aceitação» ou «uma aceitação feita de resistência». Como tal, não fica indiferente ao chamado «meio literário» e aos seus ridículos dramas numa espécie de Sporting-Benfica («Se lês Pessoa não leias Pascoaes») em que é tudo a fingir: «José Gomes Ferreira escreve no seu diário que Carlos de Oliveira lhe disse que Fernando Namora contou que Álvaro Salema ficou furioso com Ferreira de Castro porque este pediu ajuda a Augusto de Castro». Tudo isto tem a ver com o ficcionista argentino Fogwill: «A literatura não conta uma história, conta como se conta uma história». Pelo meio surge a história com António Lobo Antunes que, depois de autografar um livro («Para Pedro Mexia, porque gostei do seu livro»), numa entrevista a João Céu e Silva diz que não o conhece. Na miscelânea de 374 páginas fica demonstrado o eclectismo de Pedro Mexia que tanto se aventura na dissertação sobre Sófocles como pela revisitação a Kierkegaard. Ou ainda por um olhar sobre a fotografia: «as suas fotografias nunca mostram pessoas porque as pessoas entram nas fotos quando as vêem». Por mim gosto das citações seja da carta de Cesário Verde («Eu não sou nem bom nem generoso como tu julgas») ou de um poema de Raúl de Carvalho: «Vem (serenidade) e defende-me / da traição dos encontros». Um amigo contou-me que começou a ler este livro no Colégio Militar e só parou na Damaia. De Cima, claro. Este volume só pode ser lido em cima, de cima, acima. Porque embora pela sua natureza se integre na vulgaridade quotidiana, ele felizmente não faz parte dessa mesma vulgaridade. (Editora: Tinta-da-China, Capa: Vera Tavares) --
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por José do Carmo Francisco às 20:03
Sexta-feira, 15.08.14
Mário de Carvalho (n.1944) celebra 30 anos de vida literária neste seu 21º título. Trata-se do regresso às origens – depois do romance e do teatro, volta ao conto. São dez histórias no estilo que o autor afirmou ao longo dos tempos – o máximo de rigor vernáculo na narrativa com a imaginação mais desenfreada nos lances do enredo. São vários os tempos destas histórias. No conto que dá titulo ao volume um grupo de arqueólogos aprisionados é trocado por uma criança («várias culatras a serem puxadas») mas tudo acaba bem: «O que lhe valeu é que os tipos daquele lado também têm amor aos miúdos». Tempo africano. A luta política antes de 1974 surge no conto «A rua dos Remolares» com um cadete-aluno a envolver-se nas actividades clandestinas: «Deixo-te dois cheques assinados. Daqui a uns dias alguém telefona a dizer que é o Eduardo Lopes e a dar-te um endereço no estrangeiro. Memorizas, levantas o dinheiro e remete-lo pelo correio para a morada que for indicada. Não tomes nota. Fixa!» Tempo clandestino. Em «O celacanto» o insólito está presente com o peixe que fugiu da Faculdade de Ciências (velha) onde integrava uma exposição/instalação mas «ao chegar junto à galeria entrou decidido, porta adentro, raspando desajeitadamente a ombreira que ficou com brilho de escamas. Tempo imaginário. Os contos finais passam-se no mundo actual povoado de absurdos (burocracia), de morte (pedofilia) e solidão (divórcio). Em «O cochman» existe um edifício de escritórios onde a portaria deixa entrar o empregado sem cochman («O senhor não está dispensado») mas já não o deixa sair e coloca-o numa sala diferente: «Esta é a única sala que não está ligada à rede de multissom». Tempo absurdo. Africano, clandestino, imaginário e absurdo – são os quatro tempos do livro cuja leitura é um prazer. (Editora: Caminho, Capa: Rui Garrido, Foto: José Carlos Aleixo) --
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por José do Carmo Francisco às 15:23