Terça-feira, 12.08.14
Praticante da crónica desde 1989, Joel Neto (n.1974) junta neste livro 60 textos publicados em revistas e jornais com a expressa indicação do tempo e do ritmo musical de cada uma – adagio, presto, allegro ou staccato. Nas crónicas fala de si («tenho a oportunidade de dedicar-me a estes híbridos entre jornalismo e literatura sem deixar a conta do gás por pagar») mas também do seu bairro devastado pelas garrafas partidas no chão e pela urina nas portas dos automóveis: «Metade do encanto da noite perdeu-se no dia em que os rapazes passaram a beber cerveja de litro e as raparigas a trazer na mão um vasilhame de Água do Luso com uma mistela escura lá dentro». Fala do seu passado e do avô José Guilherme («comia sopas de leite, bebia café puro e cheirava rapé») mas também de Lisboa («O coração de uma grande cidade, mesmo de uma cidade menos-do-que-grande como é Lisboa, bate de forma diferente») e do Mundo em geral: «Foi nos anos 80 que se mundializou a democracia e nasceram os computadores, que pela primeira vez olhámos para o imperativo de deixar de fumar e a necessidade de proteger o planeta». Fala do amor («Um homem pode ser infiel à sua mulher e, no entanto, amá-la eterna e incondicionalmente. Uma mulher infiel simplesmente já não ama o seu marido») mas também do Acordo Ortográfico: «Há palavras que se escrevem de uma maneira no inglês da Inglaterra, de outra no inglês da América e de outra ainda no inglês da Austrália – e nem por isso o inglês perde força.» Fala do problema do «espaço» («Um restaurante, uma livraria ou um bar passaram a ser espaços de degustação, de cultura e de design, bom gosto e música assim-assim») e conclui a lembrar Torcato Sepúlveda, juntando de novo o que a morte separou: «era como uma criança, tinha medo de médicos, de agulhas, de três meses num hospital a comer sopas e a fazer tratamentos até, enfim, encontrara a morte – e por isso varreu os sintomas para debaixo do tapete até o próprio tapete começar a ter sintomas.» (Editora: Porto Editora, Capa: Manuel Pessoa) --
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por José do Carmo Francisco às 09:20