
Escrevo hoje para ti na noite fria de Lisboa uma lenta, feliz e comovida crónica para a tua felicidade efémera mas forte no esplendor da relva verde. A décima Taça dos Campeões do teu Clube, o Real Madrid, leva também a tua assinatura no quarto golo. Uma época em cheio pois marcaste 17 golos em 11 jogos só na Liga dos Campeões, uma média espantosa e difícil de ultrapassar. Uma coisa do outro Mundo. Durante os 120 minutos deste jogo revoltei-me com o árbitro que teve medo de mostrar um vermelho logo de início, zanguei-me com o falhanço do guarda-redes da tua equipa que deu o golo do adversário mas o mais importante foi ter pensado nas pessoas para quem esta tua vitória também transporta um tempo de felicidade. Conheço-te desde os teus 11 anos quando chegaste a Lisboa vindo do Funchal (foi o Dr. Marques de Freitas que fez tudo para vires com o teu padrinho senhor Fernão), entrevistei-te muitas vezes nas páginas do jornal do nosso Sporting. Já morreu o jornal mas não morreu a nossa memória. Muitas vezes fui mais que jornalistas, fui amigo, ouvi os teus desabafos como uma vez no campo do União de Coimbra, um pelado ao pé da linha do comboio para Serpins. Estive ao teu lado quando pessoas como Aurélio Pereira, Carlos Pereira, Isabel Trigo de Mira, Paulo Cardoso, Leonel Pontes e Osvaldo Silva quiseram o melhor para ti. O Osvaldo Silva, onde quer que esteja lá na «terra da verdade», sem dúvida está feliz por ti. Como eu quando lembro os delegados, o senhor Atanásio, o senhor Rui Vide, todos os delegados daqueles anos em que andámos com a casa às costas (Óbidos, Rio Maior, Sarilhos Pequenos) e também o enfermeiro Fontinha, o discreto e competente Fontinha, que te valeu no célebre jogo de Outubro de 1999 em Pina Manique numa terrível manhã de Domingo, entre o nevoeiro, o frio e a chuva. --

Mais do que um livro trata-se aqui de uma lição de história da literatura. Estamos no ano de 1952: Victor Palla e Aurélio Cruz na editora Gleba criam a colecção «os livros das três abelhas» e publicam em Julho estas «Histórias de amor» que em Agosto os serviços da Censura retiram do mercado. José Cardoso Pires, então com 27 anos, escreve uma carta ao director dos serviços de Censura reclamando contra o abuso mas nada consegue. Ficou a história de proveito e exemplo para hoje: é possível pelo sombreado verificar no texto as palavras e expressões cortadas pela Censura: «dor de corno», «filhos da mãe», «saliva de beijos», lábios húmidos», «não me beije», «sua tonta» ou «conversa do catano». Sem esquecer que também cortou nomes de autores como Maiakowski, Eluard, Gide, Pessoa e Debussy. Além dos contos e da novela, este livro inclui as críticas de Óscar Lopes, Mário Dionísio e Luís de Sousa Rebelo – o único a quem, por viver em Londres, foi permitido denunciar o facto de a Censura ter retirado este livro do mercado. Lido em 2009, há neste livro de 1952 o vigor dum jovem escritor que queria dar o seu recado ao Mundo ao descrever a «rapariga dos fósforos»: «Deixei-a é certo, sozinha e a trincar fósforos. Mas que poderá uma pessoa, unicamente por si, quando se lhe depara uma rapariga tão jovem e com o corpo traçado pela boca esfaimada duma velha, uma rapariga que nada sabe do mundo nem nunca beijou um homem? A menos que um vento sagrado de justiça venha dignificar as razões ultrajadas, os gestos, o olhar.» (De notar na referência biográfica de JCP a ausência de Vila de Rei; passando da freguesia ao distrito sem referir o concelho) (Edições Nelson de Matos, Capa: Paulo Condez, Ilustração: Sónia Oliveira, Contracapa: Júlio Pomar) --