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Transporte Sentimental



Terça-feira, 09.07.13

uma sombra do largo do rato para a politécnica

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Uma senhora costureira que é uma sombra no Largo do Rato
Em 1966 eu passava aqui todas as manhãs a caminho do trabalho na Rua do Ouro.
Ganhava 900 escudos por mês e o bilhete de eléctrico custava 7 tostões. Era
amarelo como o sorriso dos bonecos de José de Lemos no «Diário Popular». Eu
quis saber a diferença entre «modista» e «costureira»; uma colega explicou-me:
«uma modista tem empregadas, uma costureira trabalha por conta própria».
Quarenta e sete anos depois esta diferenciação talvez não seja muito
importante. Importa é o factor sentimental e eu lembro a emoção desta senhora
quando a minha filha mais velha fez um calendário com fotografias dos meus
netos. Ao folhear o calendário com os meninos, esta senhora deixou-se envolver
pela emoção. O rosto dos meninos é o espelho da cara da mãe. Para eles arranjou
a senhora as jardineiras, as camisas e os calções. Um pouco da felicidade deles
nos jardins de Greenwich está na harmonia dos tons, na frescura da roupa, nas
soluções inesperadas, fazer novas camisas para as crianças com camisas velhas
do pai. Esta senhora entrou nas sombras do Largo do Rato e deixou de se ver na
curva da Rua da Escola Politécnica a caminho do Príncipe Real. Há cada vez mais
cruzes na minha agenda. De há um ano para cá eu risquei o brasileiro Duda, o Zé
Guilherme, o Zé Luís e o António Ramos. Gente que ao meu lado trabalhava na
tarefa de juntar palavras umas às outras para contar às pessoas as suas
próprias histórias. Somos todos também costureiros de palavras, fazemos coisas
novas com tecidos velhos quando adaptamos textos que são tecidos de sílabas e
ditongos, que são memórias onde as emoções se cristalizam no espaço como um
retalho ou um texto de 700 caracteres. Os meus netos fazem ao fim de semana um
vistão com as coisas que saíam das mãos desta senhora, hoje apenas uma sombra
no Largo do Rato.
José do Carmo Francisco
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por José do Carmo Francisco às 22:44

Terça-feira, 09.07.13

de «pagadores de crises» a «um rei na manga de hitler»

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«Um rei na manga de Hitler» de José Goulão
Com o subtítulo de «Conspiração em Lisboa», este livro é a estreia de José
Goulão (n.1950) no romance depois do ensaio «Pagadores de Crises» em 2010. O
ponto de partida é o manuscrito de Jaime Simão (n.1917) com data de 31-12-1959
e revelado 50 anos depois: «Tenho 42 anos e a vida já me deu razões suficientes
para deixar de acreditar que vale a pena viver neste país». Jaime Simão era em
1940 contínuo numa empresa de Lisboa mas candidato a jornalista depois de
algumas experiências em Espanha, com uma entrevista a Garcia Lorca. Virgínia,
sua chefe na empresa, adverte-o: «jornalista numa sociedade destas que só quer
saber de propaganda e esconde a verdade das pessoas?» A guerra de 1939-1945
está na vida de todos e é comentada: «Há directores ingleses na Shell muito
preocupados com o Franco. Dizem que ele já não pode mais ouvir o Salazar falar
dos compromisso da aliança de Portugal com a Inglaterra e que pode até
passar-lhe pela cabeça atacar Portugal para ajudar os Alemães». O duque de
Windsor é o centro da futura paz entre a Inglaterra e a Alemanha: «Tanto se diz
que os alemães querem raptar o ex-rei Eduardo VIII, agora duque de Windsor,
como se admite que ele mesmo está disposta a fazer o papel por ter simpatias
nazis». Dito de outra maneira: «Os nazis querem usar o duque de Windsor
devolvendo-o ao trono de Inglaterra». O embaixador alemão em Lisboa afirma «o
duque de Windsor há-de ser o nosso primeiro presidente da República da
Grã-Bretanha». A narrativa funciona a duas velocidades (1940-2010) com 70 anos
de diferença. O jornalista de hoje vê o seu texto sobre jacarandás em flor
recusado por um jovem editor por não ser oportuno «quando o futuro do país se
decide todos os dias cêntimo a cêntimo, indicador a indicador, quando temos
experientes conselheiros que contribuem para a resolução dos graves problemas
da nossa economia». Virgínia tem outra versão sobre a troika: «ficamos com
electricidade quatro vezes mais cara, salários menores, pensões mais
pequeninas, sem subsídios de férias e de Natal mas parece bem lá fora». Jaime
Simão nasceu em 1917 e, não por acaso, a sua vida tem sido até 2010 uma
permanente procura da utopia desde a vida triste na aldeia do Mato até aos
sonhos da República Espanhola. Do repúdio pela tia portuguesa à juvenil paixão
pela intrépida Rosa em Espanha. Mais tarde surgirá uma paixão adulta por
Virgínia. O autor vai ao ponto de utilizar hoje palavras algo diferentes para
bem mergulhar o leitor no ambiente de 1940. Não por acaso escreve furda por
choça, galpão por varanda, piçarra por pedra, gravanada por saraivada, baderna
por desordem, suboficiais por subalternos e cura por pároco.
(Editora: Gradiva, Capa: Armando Lopes, Revisão: Helena Ramos)
José do Carmo Francisco
--

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por José do Carmo Francisco às 15:02


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