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Transporte Sentimental



Quinta-feira, 28.03.13

outras leituras de 2008

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«Cal» de José Luís Peixoto

A cal que dá título ao livro pode ser a cal da vida («a casa é caiada ano
sim, ano não») ou a cal da morte, a do caixão dos mortos. Vida e morte,
amor e ódio, vazio e esperança – são estes os limites das narrativas,
dos poemas e da peça de teatro que integram este volume. As crianças correm
pelas ruas da vila: «O céu das hortas é maior que o mundo: / a vila
apresenta ruas calcetadas para / homens de sapatinho fino, mulheres /
sozinhas e cachopos: eh, cachopo de má raça. / Vamos aos figos e passamos a
vida: / a vila às vezes é desenhada por esta aragem que é o lápis de um
carpinteiro.» Os velhos recusam a velhice («sentia-se tão velha como se
tivesse nascido no primeiro dia do mundo») e às vencem conseguem vencer o
tempo: «Nem o homem nem Ana tinham um único cabelo branco.» Também recusam
a realidade servida pela televisão: «só mostram este homem a falar, bem
podiam mostrar uma praia ou um casamento.» Também recusam a solidão e o
vazio: «Porque chora vossemecê Ti Carlota? Já não presto para nada. Não
diga isso, Ti Carlota, a gente gosta muito de si.» A peça de teatro tem
cinco protagonistas, todos com mais de 70 anos. A partir da solidão da
aldeia («às vezes até me parece que isto tudo é uma espécie de sonho»)
chegam à esperança: «Tanto que eu esperei por isto, meu amor bendito. Agora
podemos descansar, temos a vida toda à nossa frente.» O autor não precisou
de chegar aos 80 anos para entender a sabedoria da vida que interessa, a do
amor: «Em natais, festas de aniversário com pão-de-ló ou em casamentos, as
mulheres de 80 anos reúnem uma assembleia de afilhadas solteiras e
explicam-lhes que a vida é transparente e que o passado, fechado em
armários que rangem durante a noite, brilha às vezes, como as pratas dos
chocolates que entregam nas mãos das crianças.»
(Editora: Bertrand, Capa: Vera Braga)
José do Carmo Francisco
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por José do Carmo Francisco às 12:28

Quinta-feira, 28.03.13

outras leituras de 2008

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«A Terceira Atlântida» de Fernanda Durão Ferreira

Este livro começa em 26-7-1880 quando o súbdito britânico Gordon Mason,
viajando de Southamptom para o Rio de Janeiro, em escala técnica na Ilha
Terceira, assiste a uma tourada na Vila Nova com o imediato do navio «Santa
Helena». Depois da tourada o lanche, depois do lanche a conversa e, chegada
a noite, o amigo terceirense do imediato do navio emprestou dois cavalos e
cedeu um criado para os acompanhar até Angra do Heroísmo. No caminho
encontraram dez homens da «Justiça da Noite» que se dedicavam a derrubar um
muro e um portão com marretas e cordas. Passado o susto inicial, com a
preciosa ajuda do criado, o viajante (e o imediato) seguiram viagem e, já a
caminho do Rio de Janeiro, ouviu a bordo um professor de História afirmar:
«Esses e outros costumes são quase tão antigos como a própria Ilha. Ilha
que há muitos, muitos séculos tinha um outro nome e possuía outra cultura.»
As touradas à corda são hoje uma prática igual à que foi descrita por
Platão com os dez pastores a serem a memória dos dez reis da Atlântida. A
«Justiça da Noite» que funcionou até à segunda metade do século XX é a
memória da justiça dos dez reis da Atlântida pois nesse tempo, como
escreveu Platão, «o rei não era senhor de condenar à morte sem o
assentimento de mais de metade dos dez reis.» O próprio rei D. Afonso V,
numa carta de mercê ao cavaleiro Fernão Teles em 10-11-1475, escreve o
seguinte: «Faço mercê de quaisquer ilhas que achar, ilhas despovoadas,
ilhas povoadas e ilhas povoadas que ao presente não são navegadas nem
achadas nem tratadas por meus naturais.» Como se percebe pelas citações,
este livro tem muito que se lhe diga sobre as raízes da tradição Atlante
nos Açores mas ficamos por aqui lembrando Vitorino Nemésio que escreveu um
dia: «A Geografia para nós vale tanto como a História».
(Editora: Zéfiro, Prefácio: José Fonseca e Costa, Grafismo: Sofia Vaz
Ribeiro)
José do Carmo Francisco
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por José do Carmo Francisco às 12:26

Quinta-feira, 28.03.13

outras leituras de 2008

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«Poemas de um livro rasgado» de Fernando Botto Semedo

Depois de «Transparências» em 2006 e «Poemas simples» em 2007, Fernando
Botto Semedo surge com este «Poemas de um livro rasgado». Uma vez mais a
busca da infância: «Poemas escritos por abismos sem fim / na minha alma,
através da luz das minhas / lágrimas, buscando a infância velha». Só que, a
juntar às lágrimas do poeta, existem as lágrimas de Deus: «Poemas do meu
desgastado rosto / poemas levantando voo pela minha infância / cheia de
lágrimas de Deus». Entre o precário da vida e o inevitável da morte, a
única resposta é o amor: «A primavera das palavras teria chegado / com o
teu rosto de uma inacessível beleza / ó vestal desconhecida que bailas sem
corpo / nos confins do meu sangue gasto.» Noutro poema se faz essa visita
ao passado («Na minha infância as palavras eram queimadas») para, logo a
seguir, um outro poema proclamar o amor: «Ó música que oiço cantando no
interior / de um sol íntimo da minha alma emparedada / ó rostos inclinados
para o fim – ó meu amor / para sempre alienado no tempo!» Perante um
mundo hostil («asfixiando o rosto de um Deus da patinagem artística / da
televisão por cabo, entre o ardor dos / anjos do vazio e as lágrimas de
todas as crianças») o paraíso perdido do poeta está na infância guardada em
molduras de prata: «Via as fotografias coloridas da sua infância /
espalhadas por molduras de prata líquida / na casa da alegria fictícia
– ó sangue / das lágrimas de uma primavera soterrada / num campo
infinito da arqueologia de Deus.»
(Capa: Fernando Botto Semedo, Impressão: Gráfica 2000)
José do Carmo Francisco
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por José do Carmo Francisco às 12:23

Quinta-feira, 28.03.13

outras leituras de 2008

52.jpg

«O calcanhar d´Aquiles» de Rafael Bordalo Pinheiro

Tem data de 1870 a 1ª edição deste álbum de caricaturas de Rafael Bordalo
Pinheiro que, como refere Manuel de Sousa Pinto em 1915, representa o primeiro
documento notável da caricatura portuguesa num tempo em que esta forma de arte
era ainda em Portugal «raquítica e balbuciante». Tudo terá começado nas páginas
do jornal «Revolução de Setembro» com a publicação de quatro sonetos mostrando
o calcanhar de Aquiles de várias figuras das letras daquele tempo: Luís de
Campos, Ramalho Ortigão, Manuel Roussado e Eduardo Vidal. Clemente dos Santos
convidou Rafael Bordalo Pinheiro a conceber desenhos capazes de «pôr em
evidência a parte vulnerável ou grotesca de cada cidadão caricaturado». É assim
que surgem (entre outros) as figuras de Manuel de Arriaga, João de Deus,
Alexandre Herculano, Mendes Leal, Pinheiro Chagas, Júlio César Machado, Bulhão
Pato, Camilo Castelo Branco e António Feliciano de Castilho. Além de repetir o
álbum de 1870 esta edição actual inclui vários desenhos preparatórios e esboços
que estão no Museu de Rafael Bordalo Pinheiro. Como afirma Teixeira de
Vasconcelos toda a caricatura tem uma filosofia: quando Pinheiro Chagas aparece
travestido de Morgadinha de Valflor recebendo apenas coroas de flores enquanto
o empresário recebe muito dinheiro, está indicada na caricatura a mesquinha
proporção entre o modesto prémio dos homens de letras e os lucros avultados dos
teatros. Ontem como hoje…
(Editora: Frenesi, Paginação: Paulo da Costa Domingos, Assistência editorial:
Telma Rodrigues)
José do Carmo Fra
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por José do Carmo Francisco às 12:21


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