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Transporte Sentimental



Sábado, 24.11.12

outras leituras de 2007

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«A árvore seca» de Alexei Bueno

Alexei Bueno (Rio de Janeiro, 1963) publica regularmente poesia desde 1984
além de ter editado diversas obras completas (poetas brasileiros e
portugueses) e de ser um excelente tradutor de poesia – Põe,
Longfellow, Mallarmé, Tasso e Leopardi, entre outros.
Par dar aos nossos leitores uma ideia da poesia deste autor vejamos este
espantoso retrato do Brasil no poema «Speculum Patriae»:
Um povo feio, essencialmente feio, / Fora os meio imigrantes. Cada dia /
Uma outra humilhação que se anuncia, / Um saque, um roubo, sem controle ou
freio. / Uma horda de imbecis, de olho no alheio, / Cuja rapina é a única
mestria / Pretensamente os donos da alegria / Da esperteza, da graça e Deus
no meio. / Um pátio dos milagres dos devotos / De tudo, irracionais,
analfabetos / A orar, a praguejar, a cumprir votos, / À espera do que os
salve, em meio a insectos, / A matar-se, a banhar-se nos esgotos / Das
praias sem iguais, entre os dejectos.
Trata-se de uma poesia que não teme chamar as coisas pelos seus nomes
embora também não deixe de reflectir sobre a poesia (ela mesma) e os
poetas. Como em «Fernando Pessoa»:
Venceste. O reino é teu. Torceste a sina. / Compraste a vida invicta com a
outra vida. / sem ter sido, ela é a nossa. A sombra puída / Do teu corpo
nos guia em cada esquina.
No posfácio Gil de Carvalho chama a atenção para o facto de Bueno ser «um
poeta de várias culturas». O mesmo é dizer um poeta a descobrir pelos
leitores portugueses. Com toda a urgência e para seu proveito intelectual.
Porque nem só de pão vive o homem.
(Editora: Bonecos Rebeldes, Capa: José António Coelho, Posfácio: Gil de
Carvalho)
José do Carmo Francisco
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por José do Carmo Francisco às 21:23

Sábado, 24.11.12

mais leituras de 2007

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«O pastor das casas mortas» de Daniel de Sá

As aldeias também adoecem como as pessoas. Em politiquês corrente diz-se
«desertificação» mas na verdade (e em português de lei) esta doença
chama-se abandono. A Aldeia Nova da Serra tem 58 habitantes pelo censo de
1960 e Manuel Cordovão é o guardador das suas casas envelhecidas e das
paixões que ficaram por viver. Sobre Graça Manuel escreve na sua agenda:
«Agora pronto, acabou-se tudo, ela vai ser uma infeliz e eu também.
Estranha forma a minha de felicidade! Sou feliz só por pensar que podia ter
sido feliz.» Mais à frente é Olívia que afirma a Manuel: «Eu nunca vou
gostar de ninguém como gosto de ti mesmo que eu saiba que tu nunca gostaste
de mim como gostas da Graça.» Mas não é apenas das paixões da alma que esta
novela trata; existem as paixões políticas como quando a luz eléctrica foi
inaugurada na aldeia: «Se vossas excelências esperassem uns anitos nem
precisavam de se incomodar com a gente, porque a gente já não estava lá.»
Porque é grande o fosso entre a gente da Cidade e a gente da Serra: «Aqui
na serra, aos dez ou doze anos, já sabemos tudo o que precisamos de saber.
As raparigas sabem fazer queijo, os rapazes sabem guardar as ovelhas. Só
isso.»
O protagonista acaba por casar com Teresa que tem um cancro e quer vir
morrer à serra: Graça (que foi o primeiro amor) e o marido são as
testemunhas na cerimónia da ermida. Nesta partida de sueca, metáfora do
jogo da vida, entre as cartas do amor e da morte, as vazas duram mais tempo
porque há um parceiro na América e a resposta demora duas semanas. E a
moral da história surge límpida e incisiva na última página desta novela:
«Mas a aldeia continuaria morta. Porque uma aldeia não são só as casas mas
sobretudo as pessoas. E essas não queriam, ou não podiam voltar.»
(Editora: Ver Açor Lda., Grafismo: Hélder Segadães)
José do Carmo Francisco
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por José do Carmo Francisco às 21:21

Sábado, 24.11.12

esta igreja de blackheath simboliza todas as igrejas

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O verde quase infinito de Blackheath Park
O meu ponto de partida para esta memória magoada da minha filha Ana
(n.1978) é um retrato tamanho grande, à venda desde 2009 na The Blackheath
Bookshop on the Heath Ltd, uma das mais belas livrarias do Mundo. Até já
escrevi um pequeno artigo sobre a sua riqueza na Revista Ler com
fotografias da minha filha Ana. Ela começou por viver (com a bolsa Damião
de Góis) em Amsterdão e Roterdão mas a dificuldade da língua da Holanda e o
chamamento de um grupo de amigos em Londres, fez o resto. Foi para Londres
em 2003 e por lá tem ficado agora com o marido e os dois filhos. Pois lá
continua longe da Pátria e da Língua – o mesmo é dizer da Nação e do
Território. Continua a ser portuguesa mas está cada vez mais longe de
Portugal. No Verão passado veio renovar o passaporte mas a distância
permanece. Fico atónito a pensar na falta de lógica disto tudo. Nasci em
1951, comecei a trabalhar em 1966, nunca parei até hoje de descontar e de
pagar impostos (primeiro Profissional, depois Complementar, agora IRS) mas
depois de 1977 já é o casal, somos dois, a ter esse argumento. Pagámos e
pagamos ao Estado para nada. A Ana nasceu em 1978, os estudos foram pagos
com muito sacrifício, os escudos sempre contados até ao tostão. Ela tem
coisas bonitas desse tempo, aproveita tudo para reciclar. Um exemplo: as
bandeiras da festa do primeiro aniversário do Tomás foram feitas de papel
que era para deitar fora.
Esta igreja no centro do planalto de Blackheath simboliza todas as igrejas
e nem me interessa se é (ou não) anglicana. Já entrei ali em todas as
igrejas (tanto no Village como no Standard) e todas são boas para pedir
protecção para os meninos (Tomás e Lucas) e saúde para os pais (Ana e Ian).
Enquanto a oração sobe até ao maior altar dos templos, a raiva contra os
que têm guiado o meu País para a linha da catástrofe, essa desce até ao
mais escondido do meu coração e dirige-se até aos dedos da mão direita de
onde sai este grito por escrito e por extenso. Não perdoo aos que tudo
fizeram contra as minhas filhas e as obrigaram a partir: uma em 2003 e
outra em 2012. Lá em Blackheath aos domingos de manhã, a caminho do mercado
dos lavradores perto da estação dos comboios, eles ou alguém por eles,
rezam ou ouvem rezar, uma oração onde as lágrimas e as palavras se misturam
de modo exacto, límpido e eficaz.
José do Carmo Francisco
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por José do Carmo Francisco às 18:40

Sábado, 24.11.12

mais um livro de 2007

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«Pequenos elogios» de Joaquim António Emídio

Trata-se do 11º título deste autor (Chamusca, 1955) que se estreou em 1983 com
«Os dias sonâmbulos». O ponto de partida do livro é a paisagem povoada da
memória do amor:
«gosto do café sem açúcar mas peço-te / por favor um pouco da tua saliva / na
minha chávena para aprender / a gostar do café muito doce.» O poeta viaja a
partir do seu bilhete de identidade: «Sou um homem do campo / tenho as mãos
grandes / e os dedos grossos / de amassar o pão para comer». O lugar da viagem
pode ser Roma («depois de subir / uma das sete colinas de Roma / entrei numa
igreja / e cheirei as flores de um casamento») ou pode ser a Chamusca: «Os
rouxinóis já não cantam / nos salgueiros da maracha / venho de lá agora / pelo
caminho das searas / onde o rio é mais livre / sem a lembrança das margens».
Não é inocente a referência ao espaço entre terra e água como ponto de encontro
para o amor: «vem comigo apanhar sol na cabeça / e ouvir os pássaros da
vindimas / que trazem no bico as novidades da vila / e nas asas o cheiro a
mosto das adegas». O amor não é uma abstracção e só existe quando os amantes
estão perto da Terra: «Amo o teu rosto de lua azul / sonho com a tua saliva
doce / de tantos beijos adiados / sou o confidente das ervas / que crescem à
tua porta / o sol que entrou pela tua janela / sou eu a correr para ti de
braços abertos / um dia vou amanhecer nos teus olhos / e florir nas tuas mãos».
A escrita é uma viagem que tem referências: «quem me dera ter nascido / com o
coração do Ruy Belo / e o sangue impróprio / do Jorge de Sena». Para o poeta
«Os livros são crianças / a morrer de sono / comendo das nossas mãos / o pão e
o sonho». Num terreno armadilhado pelo lugar-comum, eis um livro onde a voz
própria do poeta se ergue, se articula e se projecta na memória do amor.
(Editora: Terra Branca, Impressão: Europress Lda.)
José do Carmo Francisco
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por José do Carmo Francisco às 14:55

Sábado, 24.11.12

mais leituras de 2007

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«Cartas de Marear» de Mário Machado Fraião

Este livro de crónicas trata de uma viagem no tempo português dos anos 50 e
60 em duas cidades: Horta e Lisboa. Na Horta os filmes vistos no Salão do
Sporting Clube da Horta vinham revelar um mundo «vasto e variado onde havia
muito mais na vida que frequentar as aulas, regressar a casa no cortejo dos
alunos do Liceu, vestir o fato aos domingos, pentear o cabelo, escovar os
sapatos, espera as meninas depois da missa.» Já em Lisboa o autor vem
encontrar cafés não iguais ao Internacional ou ao Volga mas onde era ainda
possível «trocar ideias, impressões, experiências, contar anedotas,
comentar estreias, novas publicações, jornais, discutir, conspirar,
escrever poemas e manifestos». Mas escrever sobre a «maior cidade pequena
do Mundo» como lhe chamou Pedro da Silveira, é também lembrar os mestres e
maquinistas dos barcos do Canal que arriscaram as suas vidas para salvar
outras vidas, doentes em perigo, mulheres em trabalho de parto: Mestre
Guilherme, mestre Alfredo Saca, mestre Augusto Pau de Lérias, mestre Simão.
Há aqui memórias de livros e autores, etapas de uma outra viagem de Mário
Fraião: Jorge de Sena, Fernando Arrabal, Gonzalo Torrente Ballester,
Teixeira de Sousa, Francisco Coloane, Vitorino Nemésio, Raul Brandão,
Carlos Faria, José Martins Garcia, Rui Duarte Rodrigues, Almeida Garrett,
Pedro da Silveira. Mas sempre, acima de tudo e para além de tudo, o
fascínio das viagens: «Pedaços de nós mesmos que sugerem o dia de São Vapor
nas ilhas pequenas, as partidas na doca da Horta, as despedidas, mulheres a
chorar, um caixeiro viajante a contar anedotas, os bagageiros transportando
as malas e os sacos de viagem pelas escadas íngremes e muito estreitas, os
diversos sinais de aviso aos passageiros, a espumas das hélices. O apito
final. Largaram-se os cabos, «adeus, adeus», soltam-se os lenços, chapéus e
cachecóis. Alguns vão a Lisboa tratar de assuntos particulares. Outros,
talvez, não voltam nunca mais.» Um livro para ler e devorar, tal a paixão
quer percorre as suas páginas.
(Fotos: Júlio Vitorino da Silveira, Edição: Albagrafe Lda., Foto do autor:
Renato Monteiro)
José do Carmo Francisco
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por José do Carmo Francisco às 14:52

Sábado, 24.11.12

mais leituras de 2007

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«D. Manuel II» de Maria Cândida Proença

O último rei de Portugal, D. Manuel II (1889-1932) não estava preparado
para assumir o trono quando as circunstâncias o obrigaram a reinar em
resultado do regicídio que ceifou a vida de seu pai e de seu irmão. Um
aspecto curioso do seu temperamento é que o rei convidou, a expensas suas,
o sociólogo francês Léon Poinsard para conhecer as condições de vida dos
trabalhadores em Portugal. Acompanhado por Matos Braamcamp e Serras e
Silva, Poinsard fez um diagnóstico imediato: «A principal causa da desordem
crónica do país reside na sua organização política dominada por uma tribo
pouco escrupulosa, ávida de poder e de proventos. Portugal está reduzido à
falência, acabrunhado sob o peso de um fisco absurdo e mantido numa
horrível situação de abandono e de atraso da qual não pôde ainda sair,
apesar dos esforços e sacrifícios de alguns homens de acção.» Outro aspecto
que revela a sua pouca preparação para reinar é o que passa na semana
anterior ao «5 de Outubro». Enquanto Lisboa vive momentos de agitação
social com as greves dos tanoeiros, dos corticeiros e dos garrafeiros, o
rei vai ao Buçaco com Lord Wellesley, neto do duque de Wellington. Na
parada militar tem a seu lado os ministros da Guerra e dos Negócios
Estrangeiros e no banquete ouvem-se «vivas» ao rei. No final D. Manuel
afirma «Conquistei hoje o Exército» mas uma semana depois surge a República
e o rei, abandonado pelo Exército, vê-se obrigado a deixar o país num iate
da Ericeira para Gibraltar tendo escrito uma carta ao chefe do Governo:
«Sou português e sê-lo-ei sempre. Tenho a convicção de ter sempre cumprido
o meu dever de rei em todas as circunstâncias e de ter posto o meu coração
e a minha vida ao serviço do meu País. Viva Portugal!»
(Editora: Círculo de Leitores, Capa: José Malhoa, Foto: Manuel Silveira
Ramos)
José do Carmo Francisco
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por José do Carmo Francisco às 14:50


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