Sábado, 17.11.12
«Antecedentes criminais» de Amadeu Baptista
Autor que se estreou em 1982 (com «As passagens secretas») Amadeu Baptista
celebrou em 2007 25 anos de vida literária com esta antologia pessoal. Não
é fácil noticiar 263 páginas de um livro com um quarto de século de
trabalho literário. Vejamos dois dos aspectos. O poeta regista o seu mundo
pessoal no poema da página 10:
«Até que um dia, já adolescente / Descobri o poder da poesia que, a par com
o mar / aprendi a fitar com imprudência por serem / revoltosas essas águas
em que o dia / e a noite se confundem. Era essa imprudência / o desassombro
de ouvir o longínquo e o genesíaco / com homens e mulheres a recortarem-se
/ da imensidão dos tempos, a cantar a dolência / e o sublime, a invectivar
o mistério e a ampliar / o enigma que há entre os enigmas ou o surto / de
sentidos que, num sopro, agrega ao infinito / o infinito, para que haja
mais infinito no sentido.»
Mas regista também o Mundo e a História como em «Kefiah»:
«Sobrevivemos acossados, o mar como única fronteira, deserto / e
reminiscência do labor da alegria, soldados entrincheirados / esperando a
bandeira neutral da morte, o retorno às origens / o sal do sangue, as
costas voltadas para a fosforescência da pureza / uma tristeza de matizes
carregados pelo vínculo de uma cumplicidade / espoliada e incorrespondida.
/ Sobrevivemos na rebelião transfigurada, adubo e excremento dos que /
sangram, energia debilitada esperando que alguém chegue, partilhe / do
nosso pão, durma na nossa cama / e dê um passo em frente, em direcção à
nossa sede apaziguada e pelo vinagre / a ferida aberta de onde jorra sangue
e água purificadora, a coroa / de espinhos perfurando-nos as têmporas, o
chicote / queimando-nos o dorso arquejante»
(Editora: Edições Quasi, Apoio: Câmara Municipal de Almada)
José do Carmo Francisco
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por José do Carmo Francisco às 12:41
Sábado, 17.11.12
«Escuta o coração Mundo» de Isabel Gouveia
O título explica em parte o projecto deste livro: escutar o coração do Mundo. O
ponto de partida é o tempo: «Quando surge o Inverno, vai ficando mais difícil
dissimular a flacidez da carne e essas marcas que o Tempo lhe deixou.» Mas não
um tempo qualquer, trata-se do tempo da infância a cantar as Janeiras:
«Alegres, acolhíamos as nozes num saco de algodão, apesar de a sua casca verde
haver enferrujado as mãos modestas, calejadas, de mulheres tisnadas pelo sol
dos campos; os figos secos, retirados da palha dos tabuleiros onde eram
principesca refeição para moscas vorazes e rebeldes; as castanhas piladas e os
bolinhos esquecidos; tudo isso misturado no sorriso terno, maternal de uma
matrona bem fornida de gordura.» O ponto de chegada é o espaço: não por caso
dois lugares-praia, limite e limiar entre terra e água. Primeiro o lugar da
memória («A alegria em teu rosto… A tristeza no meu… Aquela praia
era para ti o símbolo da luta conseguida, vitoriosa») depois o lugar do
esquecimento: «Sete pedrinhas que lancei ao mar / sete pedrinhas engolidas / na
voragem circular das águas / Sete pedras, sete saias, sete dias da semana /
sete cores do arco-íris / sete, sete, a magia desse número / na praia da Nazaré
/ Cada pedra que atirava, cada mágoa que esquecia». Por fim o coração do Mundo
é o coração da Poesia e da Prosa (poemas para Cesário Verde, José Régio,
Fernando Pessoa, Teixeira de Pascoais, Pablo Neruda, Virgínia Woolf) porque
toda a literatura é uma homenagem à literatura. O coração do Mundo pode ser
também a memória de João Brandão: «Nascido na Beira Alta / nessa aldeia de
Midões / o João Brandão virou lenda / como o maior dos vilões».
(Editora – Município de Oliveira do Hospital, Capa – Manuel Taraio)
José do Carmo Francisco
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por José do Carmo Francisco às 12:39