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Transporte Sentimental



Quarta-feira, 24.10.12

outras leituras de 2007

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«O livro da pobreza e da morte» de Rainer Maria Rilke

Escrito em Paris no ano de 1903 quando Rilke (1875-1926) preparava a
monografia sobre a obra de Rodin, neste livro o autor rejeita as grandes
cidades: «Porque as grandes cidades, Senhor, / estão desagregadas e
perdidas; / na maior parte delas germina o pânico dos incêndios / para elas
não há perdão nem alívio / e os seus pobres dias estão contados.» Coloca o
campo em oposição à cidade: «Há os que são ricos e aspiram ao triunfo / mas
os ricos não são ricos. / Eles não são como esses grandes pastores / que
atravessam as planícies verdes e claras / seguidos da massa confusa dos
seus rebanhos / como as nuvens passam no céu da manhã.» A cidade é o lugar
do medo. Rilke escreve um poema que é uma oração: «faz que eu seja a voz do
novo Messias / aquele que diz a palavra e que baptiza / Porque a minha voz
cresceu em duas direcções / fez-se perfume e fez-se grito / E faz que ambas
as vozes me acompanhem / se de novo me lançares na cidade e no medo.» A
cidade não é o lugar do homem («As cidades só pensam em si próprias / e
arrasam tudo na sua corrida») e nelas os sem-abrigo, que andam pela noite
como mortos, esperam una voz: «E se houver ainda uma voz para os defender /
faz que seja forte e persuasiva». A obra de Francisco de Assis é a
resposta: «Onde está esse que dos seus bens e do seu tempo / soube tirar
forças para a sua grande pobreza / para se despir das suas roupas na praça
/ e surgir nu diante das vestes do bispo. / Veio da luz para uma luz mais
profunda / e a alegria habitava a sua cela. / E quando ele morreu, leve e
sem nome / foi repartido.» Uma nova editora, uma nova colecção de poesia,
um livro a descobrir em português mais de cem anos depois da sua primeira
edição.
(Editora – Bonecos Rebeldes, Tradução – Ana Diogo e Rui Caeiro,
Prefácio – Rui Caeiro, Capa – José António Coelho)
José do Carmo Francisco
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por José do Carmo Francisco às 15:47

Quarta-feira, 24.10.12

outras leituras de 2007

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«Estação Ardente» de Júlio Conrado

Pode parecer um lugar comum mas assumimos hoje como ontem a ideia de que «toda
a literatura é uma homenagem à literatura». Nesta caso o livro «Estação
Ardente» que venceu o Prémio Vergílio Ferreira de 2006 é, sem dúvida, até pelo
seu subtítulo (Novas cartas a Sandra) uma homenagem a Sandra, a inesquecível
personagem do romance «Para sempre» de Vergílio Ferreira. O livro organiza-se
através de 31 cartas a Sandra. Como esta de 20 de Agosto de 2005: «Aceito e
compreendo que não queiras viver de recordações. Mas estás condenada a ter de
conviver com as nossas, porque não deixarei que te livres delas (e de mim)
facilmente, agora que descobri o modo de te recuperar pelo menos a alma,
escrevendo-te e reescrevendo-te de coração aberto, sem aquele travo agridoce
tão censurado por ti noutras ocasiões. Ah, sim, vais ter de me suportar até ao
fim visto eu possuir a chave de também te ter sem necessidade de te pedir
licença. Embora esta presentificação do passado através destas palavras já não
alinhadas ao correr da pena mas ao correr do teclado, não me baste. Quero mais.
Quero-te agora. Toda. Já reparaste que estou esforçar-me por isso? Que aspiro a
um epílogo em beleza para esta fabulosa história de amor? Creio, talvez, no
impossível.» Um posfácio e uma dissertação intitulada «atribulações de um
narrador intrometido» completam esta homenagem à escrita de Vergílio Ferreira,
meio expedito escolhido pelo autor de «Estação Ardente» para fazer uma
homenagem à memória do amor.
(Editora – Campo da Comunicação, Capa – Duarte Pita Camacho, Apoio
– Câmara Municipal de Gouveia)
José do Carmo Francisco
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por José do Carmo Francisco às 15:45

Quarta-feira, 24.10.12

outras leituras de 2007

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«Poemas simples» de Fernando Botto Semedo

Depois de «O livro da primeira classe» de 2005 e de «Transparências» de
2006, surgem estes «Poemas simples» de 2007, 30º título de Fernando Botto
Semedo. Partindo de uma epígrafe de Sebastião da Gama (1924-1952) e de uma
dedicatória ao seu tio Manuel Lopes Correia Semedo (1922-1953) o poeta
regista em poema a morte, a «dor disforme»:
«A minha alma é pura seiva de / toda a Primavera, e tudo canta / mesmo a
dor disforme. Vejo / os pássaros agasalhando as suas / crias, para que o
universo e Deus / sejam semeados por uma paz intacta / e sagrada para
sempre. / O meu nome é seiva de Deus / – Escrevo, inesperadamente».
Para o Poeta, se o Inverno é a morte a Primavera é a vida, impetuosa
reposta às ciladas do Inverno: «Nos Invernos estão adormecidas todas / as
Primaveras de todos os séculos / nos grãos de uma brancura infinita / que
povoam a terra e as árvores adormecidas. / Um anjo vegetal é um anjo da
guarda / de toda a vida, hoje e sempre, e / para sempre.» Invocando dois
jovens mortos do seu panteão privado, um na área da poesia, outro na área
do afecto familiar, o poeta vê nas crianças ainda sem passado a chave para
a principal resposta à morte: «As crianças são irmãs do silêncio / e do
amor divinos que se escondem / na seiva do tronco destas árvores infinitas
/ que principiaram a nascer / quando o sonho do poema / se materializou na
minha alma / eterna, tão cheia de lágrimas de / um secreto sol que se
propaga / pelos interstícios de todos os significados / os da verdade e da
comoção do poema / das palavras que aqui se inscrevem / puras.»
(Capa – Fernando Botto Semedo, Execução Gráfica – Gráfica 2000)

José do Carmo Francisco
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por José do Carmo Francisco às 15:44

Quarta-feira, 24.10.12

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«A mulher que prendeu a chuva» de Teolinda Gersão

«Se o amor acabasse, todas as cidades se tornariam ilegíveis» – esta é,
se não estou em erro, a ideia chave deste livro que junta 14 contos nos quais o
amor e a morte são a paisagem e o povoamento das cidades. As cidades deste
livro são Nova Iorque, Lisboa e Berlim mas podem ser também Roma ou Viena e
nestas histórias a morte de alguém é sentida como a morte da cidade onde esse
alguém vive: «No Caneiro de Alcântara abriu-se uma cratera com dez metros de
profundidade. Até que se abriu um buraco no chão e te engoliu. Pouco importa
que o tenham tapado depois com terra e deitado flores.» A cidade é o lugar do
ciúme: o viúvo procura sinais de infidelidade mas só encontra bilhetes simples
como Senhora Rosa lave por favor as janelas da marquise. Ou o lugar da
vingança: o homem que se vinga da ingratidão da mulher e da sogra, deixando a
mulher cega no meio de uma rua onde um carro irá travar mas tarde demais.
Noutro conto é a angústia que surge quando a personagem perde os óculos e, com
eles, perde o horizonte visual do neto na praia, acendendo de novo as memórias
dolorosas duma morte na família: uma outra criança, muitos anos antes, a arder
em febre no corredor sem fim dum hospital. O conto que dá título ao conjunto
acontece num hotel de luxo quando o viajante surpreende duas empregadas da
limpeza a contarem uma história de África: numa terra onde uma mulher era
acusada de ter «prendido a chuva», veio um homem novo que a visitou na cabana,
dormiu e «fez amor com ela» mas, depois, matou a mulher. E só «então começou a
chover». Entre o divórcio e a morte, entre a solidão e o ciúme, só o amor pode
salvar as personagens destas histórias que habitam o outro lado das cidades.
(Editora – Sudoeste, Capa – Henrique Cayatte e Susana Cruz)
José do Carmo Francisco
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por José do Carmo Francisco às 15:42

Quarta-feira, 24.10.12

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«Rua do Arsenal» de José Ferreira Marques

Se o espaço deste romance é a Rua do Arsenal, o tempo é o tempo português
dos anos 60 do século XX: «Aos novos, levava-os a guerra. Outros fugiam a
salto para França. Os menos afoitos não resistiam ao encanto das luzes da
capital.». Luís chega da sua terra a Lisboa olhando para os títulos de uma
vitória do Benfica à porta de Santa Apolónia. Começa por descobrir os
cafés: «juntou-se a uma tertúlia que abancava no Café Império, mistura de
marialvas, amantes do fado, alguns estudantes e até forcados.» Cansado de
ouvir na televisão a preto e branco «Adeus até ao meu regresso», participa
na campanha eleitoral de 1969 mas acaba preso pela PIDE como se lê no
bilhete entregue a Cecília: «O Luís foi preso. Deve estar em Caxias. Não me
procure. PS – Consta que foi um Silveira do Técnico que o acusou.»
Trata-se de Fernando António, o primeiro marido de Cecília. Ele simboliza o
Portugal «velho» enquanto Luís surge como o Portugal «novo» ao lado de quem
Cecília vai ouvir a célebre frase «Aqui Posto de Comando do Movimento das
Forças Armadas!». Entre dois mundos opostos, Cecília rejeita Fernando e
corre para Luís na Rua do Arsenal, a rua onde se começaram a amar. A mesma
rua onde foi assassinado o rei D. Carlos e o príncipe Luís Filipe em 1908 e
mesmo ao lado da Câmara onde foi proclamada a República em 1910. Depois de
«Bichos do mato» com o olhar da guerra colonial este «Rua do Arsenal»
desenha em páginas vibrantes o mundo cinzento dos escritórios, dos cafés,
dos estudantes e dos polícias que povoaram a Lisboa dos anos 60. Quando os
homens «enchiam os bolsos de esperança» e fugiam a salto, que o medo «não
matava a fome».
(Editora – Palimage)
José do Carmo Francisco
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por José do Carmo Francisco às 15:40

Quarta-feira, 24.10.12

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«Viagens… Marés e Memórias» de Cristino Cortes

Toda a nossa vida é uma viagem, uma sucessão de viagens, até àquela que
será a última viagem – a morte. Desde sempre a literatura foi um modo
feliz de resistir a essa inevitabilidade, pois escrever é uma forma de
lutar contra o esquecimento – uma das figuras da morte. Cristino
Cortes recupera nestes textos agora publicados em livro a memória viva da
paisagens e do seu povoamento físico e sentimental. Paisagens todas bem
diversas. Visitamos Amesterdão, Paris, Urbino, Roma, Florença, Siena
– no estrangeiro. Passamos por Coimbra, Mangualde, Golegã, Sintra,
Ericeira, Sines, Grândola, Faro, Castro Marim, Vila Real de Santo António
– em Portugal. E também a Madeira, São Miguel e a Terceira – no
meio do grande oceano.
Mesmo em passeio o autor nunca deixa de se preocupar com as palavras. Na
Madeira, por exemplo, protesta contra «a ignorância linguística, porventura
o saloio pretensiosismo a querer passar por culto e cosmopolita, que leva a
adoptar o termo promenade como português. Ninguém terá explicado àquelas
boas almas que o termo é francês e que na nossa língua há o portuguesíssimo
passeio – e se quiserem variar também poderão dizer percurso,
trajecto, volta, circuito…»
Com a leitura das suas crónicas, Cristino Cortes faz-nos viver de novo as
suas viagens. Entre a paisagem e a circunstância. Os leitores ficam sabendo
que toda a literatura é uma viagem de palavras a ligar de novo aquilo que o
tempo separou.

(Editora: Papiro – Capa: Catarina Silva)

José do Carmo Francisco
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por José do Carmo Francisco às 15:38

Sexta-feira, 19.10.12

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«El lugar, la imagen – O lugar, a imagem» de Ruy Ventura

Este livro de Ruy Ventura (n. Portalegre – 1973) é uma edição
bilingue da Editora Regional de Extremadura com poemas traduzidos por
António Saez Delgado e capa de Julian Rodriguez. Se toda a obra de arte
surge como uma humana rejeição da morte, um poema que canta a alegria do
encontro do poeta com essa mesma obra de arte é um duplo registo da negação
das sombras, do esquecimento e do desespero.
Este livro abre com um poema dedicado a uma escultura em barro do século
XVIII:
«um corpo nasce nas mãos do oleiro / um corpo desce. procura / a raiz, a
porta, a lareira / acenderá o mundo com o seu sopro / com a sua voz.»
Segue-se a meditação sobre uma escultura de madeira do século XVII:
«em que palavras leste a semente desse brilho? / no verbo que ele guardou
no teu silêncio? / no coração, ardendo na memória? /ergues os olhos,
saciando /o cálice em que saciámos a nossa sede.»
Mas pode ser também uma moeda romana do século I depois de Cristo, o motivo
do poema. Ou uma estela funerária. Ou uma escultura em Lagos. Ou uma casa
em Arronches. Depois pode ser uma catedral em Compostela, uma fortificação
templária em Aveyron ou um poço num certo lugar em Penamacor. Livro feito
(com diz o título) de lugares e de imagens, em todas as suas páginas vibra
uma voz poética a ligar a Natureza e a Cultura. Como por exemplo em
«arquitectura», poema escrito perante o castelo e a judiaria de Valência de
Alcântara:
«subimos à torre para melhor vermos / o círculo que nos une a esta terra /
desce o firmamento. hesita esta memória / em tocar o bosque cuja língua
desaparece. / de súbito, uma águia /a música que escrevemos. para sempre.
/de regresso à largueza / da floresta» Assim se prolonga poeticamente a
rejeição da morte o mesmo é dizer a negação das sombras, do esquecimento e
do desespero.

José do Carmo Francisco
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por José do Carmo Francisco às 17:09

Sexta-feira, 19.10.12

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«A Terceira Atlântida» de Fernanda Durão Ferreira

A partir do site «www.aterceiratlantida.com» a Editora Contraponto publica
este recente trabalho de Fernanda Durão Ferreira, jornalista, investigadora
e sócia da Sociedade Portuguesa de Geografia – secção de História.
Esta ligação parece confusa mas não é: já Vitorino Nemésio tinha escrito «A
Geografia, para nós, vale tanto como a História.» A partir de textos de
Platão que descrevem a Atlântida e de uma observação no terreno sobre
algumas tradições terceirenses, a autora chega a uma conclusão: «as
culturas tradicionais transformam-se; não desaparecem». As touradas à
corda, a justiça da noite, o sangue cozido nas festas tradicionais
terceirenses, o azul, o açor e o próprio nome da Ilha são aqui estudados à
luz da relação entre os textos de Platão e a realidade real da Ilha
Terceira. O nome da Ilha pode ter uma relação directa com as ideias de
Joaquim de Fiore para quem a idade do Pai compreendia o tempo desde a
criação do Mundo até Moisés e a idade do Filho era o tempo desde Moisés até
Jesus Cristo. A terceira idade, idade do Espírito Santo, era uma resposta à
corrupção que grassava na hierarquia da Igreja do século XIII. Outra
hipótese é o nome Terceira derivar na verdade de outro facto: depois das
primeiras (Cabo Verde) e das segundas (Madeira e Porto Santo) as ilhas
açorianas seriam as Ilhas Terceiras. Um aspecto igualmente curioso e
fascinante neste texto é a semelhança claríssima entre o mapa da Ilha de S.
Miguel e a parte inferior do chamado painel do Arcebispo pintado por Nuno
Gonçalves. O Infante D. Pedro, filho de D. João I, era o donatário de S.
Miguel e as cordas estão dobradas numa semelhança quase total com o recorte
da Ilha de S. Miguel. Na Net ou em papel, um texto fascinante.

José do Carmo Francisco
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por José do Carmo Francisco às 17:08

Sexta-feira, 19.10.12

outras leituras de 2007

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O livro negro da condição das mulheres (organização de Christine Ockrent)

Não é fácil «resumir» em poucas linhas um livro com 734 páginas que desenvolve
temas como a segurança, a integridade, a liberdade, a dignidade e a igualdade
das mulheres no nosso Mundo. Vejamos apenas um destes aspectos num texto de
Malka Markovich, uma das colaboradoras do volume: «Diversas agências
internacionais afirmam que a exploração de seres humanos é muito mais rentável
que os tráficos de armas e de droga e que as penas previstas para a primeira
permanecem globalmente inferiores às que visam estes dois últimos. Em 2002 as
Nações Unidas estimavam que o tráfico de seres humanos se traduzia em lucros
entre os cinco e os sete milhões de dólares americanos e que, anualmente,
afectava quatro milhões de pessoas. Em 2003 a OSCE referia lucros variando
entre os sete e os doze mil milhões de dólares. A Europol informava que em 2003
quinhentas mil vítimas tinham sido encaminhadas para os 15 países da União
Europeia. Pino Arlacchi, director do Gabinete das Nações Unidas para o Controlo
da Droga e a Prevenção do Crime, informava que o tráfico para fins de
prostituição tinha feito 33 milhões de vítimas no Sueste Asiático durante os
anos 1990, o que se traduz num número de vítimas três vezes superior aos
números referentes ao tráfico de escravos africanos durante um período de 400
anos, estimado em 11 milhões de almas. Estas projecções não são exageradas
quando se sabe que em 2003 duas mil mulheres saíram diariamente das Filipinas à
procura de uma vida melhor no estrangeiro.»
(Editora Temas e Debates, Capa Vera Braga)
José do Carmo Francisco
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por José do Carmo Francisco às 17:06

Sexta-feira, 19.10.12

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«Não sabia que a noite podia incendiar-se nos meus olhos» de Graça Pires

Graça Pires, neste seu nono livro de poemas, organiza o texto poético em
dois registos bem diferentes: Cultura e Natureza. Os primeiros onze são
poemas em prosa, numa recriação muito pessoal do célebre episódio de Marta
e Maria no Evangelho de São Lucas. Entre Marta (atarefada) e Maria
(contemplativa), o poema inscreve-se em duas memórias. Uma real («Olho pela
janela à procura da minha infância e reparo que já esqueci a paisagem e os
rostos desse tempo»); outra imaginada: «E perdoou à adúltera a quem queriam
apedrejar por saber que só é culpado quem não procura ser feliz.» Desse
cruzamento de memórias surge a escolha: «Por isso escrevo. Escrevo
desesperadamente. Escrevo para não esquecer.» O segundo núcleo de 22 poemas
não trata já da Cultura mas da Natureza, o mesmo é dizer a Geografia: «Pelo
lado interior do tempo / assinalo, com traços de luz, / a cidade litoral
onde nasci / rente à fragilidade do Outono. / Era Novembro / e uma estranha
sede / pairava sobre a terra / ávida de líquidas paisagens / quando minha
mãe me tomou nos braços / e disse: esta é a minha filha / O seu corpo doía
de tanta comoção. / Agora, que uma luz difusa me fascina / retenho a idade
em que não ousava / fazer do coração um lugar de conflito. / Escoa-se de
meus lábios / sem aviso prévio / um excessivo odor a maresia / como se o
Verão atasse ao meu pescoço / a sombra das dunas e todos os ventos /
afugentassem a inevitabilidade da morte. / É de musgo, a vertigem / onde
demoro as mãos, / para tornar legível a emoção.» Tornar legível a emoção é
o grande projecto de qualquer poeta. Graça Pires já o consegue desde 1990
quando se estreou com «Poemas».
(Capa – Katarina Rodrigues, Foto – Manuel Fazenda Lourenço)
José do Carmo Francisco
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por José do Carmo Francisco às 17:04



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