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Transporte Sentimental



Terça-feira, 02.10.12

mais leituras de 2007

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«As pequenas memórias» de José Saramago

O título deste livro, explica o autor, deve-se a nele surgirem - «as
memórias pequenas de quando fui pequeno». Mas começou por se chamar «O
livro das tentações». Não era nada fácil nos anos 20 do século XX a vida
dos pais do (ao tempo) pequeno José Saramago: a mãe doméstica e o pai
guarda da PSP, mais tarde o subchefe Sousa. Quartos, partes de casa e,
finalmente, casas, constituem-se no quase infindável roteiro: Rua E ao Alto
do Pina, Rua Sabino de Sousa, Rua Carrilho Videira por duas vezes, Rua dos
Cavaleiros, Rua Fernão Lopes, Rua Heróis de Quionga, Rua Padre Sena de
Freitas e, por fim, a Rua Carlos Ribeiro. Uma rua sem saída de onde José
Saramago viria a sair aos 22 anos para casar com Ilda Reis. Há neste livro
algumas memórias alegres e irónicas mas também amargas e infelizes. Como
por exemplo a morte do seu irmão Francisco: «A mãe e os filhos chegaram a
Lisboa na Primavera de 1924. Nesse mesmo ano, em Dezembro, morreu o
Francisco. Tinha quatro anos quando a broncopneumonia o levou. Foi
enterrado na véspera de Natal. Em rigor, em rigor, penso que as chamadas
falsas memórias não existem, que a diferença entre elas e as que
consideramos certas e seguras se limita a uma simples questão de confiança,
a confiança que em cada situação tivermos sobre essa incorrigível vaguidade
a que chamamos certeza. É falsa a única memória que guardo do Francisco?
Talvez o seja mas a verdade é que já levo oitenta e três anos tendo-a por
autêntica…Estamos numa cave da Rua E ao Alto do Pina. É o Verão,
talvez o Outono do ano em que o Francisco vai morrer. Neste momento é um
rapazinho alegre, sólido, perfeito.»
(Editora – Caminho, Colecção O Campo da Palavra)
José do Carmo Francisco
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por José do Carmo Francisco às 22:48

Terça-feira, 02.10.12

outra leitura de 2007

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«Portugal Património» de Duarte Belo e Álvaro Duarte de Almeida

Este primeiro dos dez volumes de «Portugal Património» é uma obra monumental
cujo «avô» é, sem sombra de dúvida, o «Guia de Portugal» de Raul Proença e
Sant´Anna Dionísio, datado de 1924. Cada volume da série integra cerca de
500 páginas e surge como fruto de um trabalho de 8 anos com 300 mil quilómetros
percorridos para 600 mil fotografias e 22 mil horas de trabalho em 6 mil
páginas A4. Para os autores deste projecto a noção de património não integra
apenas os monumentos mas também as paisagens, as pontes, os estádios ou as
florestas. Este primeiro livro da série de dez revela três distritos (Viana do
Castelo, Braga e Porto) em 437 páginas que vão de Valença e Monção a Penafiel e
Marco de Canaveses. Os autores explicam assim o seu trabalho: «Este
guia-inventário pretende ser um contributo para um melhor conhecimento do
riquíssimo património que constituiu a rede de referências da nossa identidade.
Aqui se mostram com a mesma dignidade, sem hierarquizações, árvores, conventos,
trechos de paisagem natural, viadutos, palácios, barragens, cruzeiros, jardins,
fábricas, dólmenes, capelas de romaria, gruta, moinhos, igrejas, castros, etc.
Procurámos ainda, assumindo um critério pessoal de selecção, apresentar não só
aquelas unidades de importância tradicionalmente reconhecida mas também muitas
outras quase desconhecidas e, por isso, mais vulneráveis.» O trabalho foi
organizado fora da divisão administrativa clássica, partindo das cartas
cartográficas do Exército e trabalhando os autores em quadrados de vinte
quilómetros de lado.
(Editora – Círculo de Leitores, Consultores – José Mattoso, Paulo
Pereira, Teresa Belo)
José do Carmo Francisco
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por José do Carmo Francisco às 19:32

Terça-feira, 02.10.12

entre um inventário e uma antologia

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Fátima Murta – Quando o poema se confunde com a oração

Desde sempre os poetas tiveram a coragem de chamar todas as coisas pelos
seus nomes. Pois se a vida é tão breve e o amor tão incerto que outra
oposição podemos fazer à morte além da criação de poemas, pequenos
alicerces na grande casa da posteridade?
A posição do poeta é coincidente com a do crente. Ambos ajoelham em
silêncio e ambos levantam do chão a palavra cansada para ligar de novo dois
mundos separados pela distância, pelas sombras e pelo esquecimento.
Em «Consumatum Est» Fátima Murta afirma:
«Poderiam retirar-me tudo na vida menos a prece, a oração.»
A ligação entre a oração e o poema está no amor porque o amor é a única
resposta à morte mesmo quando («Viola Delta III») não sabemos, ao certo, o
que é o amor:
«Não sabemos o que é o amor mas, amor, amamos o que desconhecemos.»
E mesmo quando a morte tem a dimensão do espectáculo planetário transmitido
em directo (11 de Setembro) ou do Holocausto de 1939/1945, é sempre
possível cantar em poema «A última vítima de Auschwitz»:
«Apenas mais uma túlipa mais que seca a pele e o olhar. / Apenas mais uma
mulher que um dia sonhou com um jardim. / Apenas mais uma mulher. / Já nada
tem de seu.»
A única resposta ao sangue derramado dos timorenses é um poema a Santa
António de Lisboa em «Santa Cruz de Timor»:
«António, meu Santo António de Dili, de Baucau, de Bobonaro / Meu Coronel
Santo António alistado na milícia de Maria / Casa o Mar do Homem com o Mar
da Mulher / e fica à espera que a nova bandeira da paz entre os homens /
brilhe junto à gruta onde foi assassinado o primeiro filho de Timor!»
Mas o amor, tal como a poesia, não é fácil. Além de não saber o que é o
amor, o poeta procura muitas vezes um amor que não encontra. Como em «Coisa
talvez amada»:
«Queria colher a rosa mais linda de Maio
Mas tu estavas tão longe dela e de mim
Fui eu para longe de ti e levei a rosa (...)
Não cheguei a oferecer a rosa mais linda de Maio.
Colhia-a a meio da tarde e havias partido pela manhã.
Tão cedo se deixam as rosas entardecer.»
Federico Garcia Lorca foi morto mas venceu a morte e hoje o seu nome é
vivo; ninguém sabe o nome dos seus carrascos. Vejamos essa memória em «Com
perfume de limão»:
«Dorme Federico dorme
dorme com as estrelas nos olhos de prata
Meu menino de presépio nascido do céu
sobre as nebulosas onde a água chora.»
Agostinho da Silva, outro vencedor da morte, está presente nos textos de
Fátima Murta:
«Ser criança também é uma arte muito difícil. Nem todas as crianças
conseguem ser e permanecer crianças. Porque ser criança não é o mesmo que
ter poucos anos de idade.»
Tanto nos poemas como nos textos narrativos de Fátima Murta surge um
roteiro de fidelidade à ideia de não morrer. Em «Senhora do Carmo» do livro
«Palavra de Mãe», o poema é poema mas sem deixar de ser uma oração:
«Assim eu viva contigo sempre a meu lado, estrela
Assim eu morra mergulhada no teu firmamento
e quando a escuridão me seduzir ao afago dela
me ouças gritar: Mãe, fica só mais um momento!»
Se ficamos junto da mãe, da mãe do Céu, da mãe da vida, da mãe da alegria e
do amor, então será possível o poema matar a morte. Também na canção
«Senhora da Aparecida» há uma quadra que diz textualmente:
«Você me apareceu
Quando eu menos esperava
O mar unido ao céu
Ao meu redor gritava»
Se ficarmos junto da mãe, a oração que o poema também é, servira de ponte
entre dois mundos. O do precário e o do eterno; o das lágrimas e o da
alegria sem fim; o do efémero e o da posteridade. Dito de outra maneira: o
dos Homens e o de Deus.
Os poemas, as canções e os textos narrativos de Fátima Murta comungam,
praticam e proclama esta verdade tão antiga como o Mundo: «Só há uma medida
para o amor que é amar sem medida.»

José do Carmo Francisco
--

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por José do Carmo Francisco às 15:10


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