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Transporte Sentimental



Quarta-feira, 10.10.12

terceira classe era nos comboios antigamente

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A propósito das férias ou um outro olhar do Norte sobre o Sul
Nada como o tempo das férias para se perceber a plena disfunção, o altivo
desdém, o alheamento às vezes agressivo que se exprime no olhar da gente do
Norte da Europa sobre a gente do Sul. Nisto, como em tudo na vida, é nos
pequenos pormenores que se registam as grandes diferenças. Estou sentado no
sofá de uma sala de uma casa numa aldeia perdida do Interior. A esposa do dono
da casa é francesa e deixou escrito um conjunto de indicações para ligar a
televisão. Tudo bem? Não! Tudo mal. Porque as instruções estão em francês e,
das duas hipóteses vale uma: ou ela só pensou na sua pessoa quando redigiu as
normas para abrir a televisão (e é egoísta) ou ela pensou que todo os outros
que frequentam a casa sabem ler francês (e é estúpida). Muitos franceses julgam
que o centro do Mundo é a França. Mas é mentira.
Aqui não é acintoso o olhar da criança mas antes uma surpresa. Na Grã-Bretanha
os tios afastados não aparecem para petiscarem nos lanches ajantarados; por
isso a criança percebe a diferença entre família alargada e família nuclear.
Como foi o caso destes tios onde até havia um a dizer a palavra «table» à
francesa. Enfim… Tomás, criança de 6 anos, luso-britânico que vive em
Londres, pergunta ao ver um grupo de tios a comer na casa do avô: «Estas
pessoas fazem parte da família nuclear?»
Os franceses que vivem no segundo andar do prédio vizinho pagam sempre a renda
mas omitiram o correio acumulado em dois anos. Algumas das cartas até tinham
aviso de recepção e os carteiros nunca questionaram ao verem pessoas tão
simpáticas. Mas para eles o correio dos donos da casa era uma coisa
irrelevante. Havia no seu olhar uma indiferença activa, um desdém superior,
enfim a distância de Paris a Lisboa é talvez de 2 mil quilómetros mas para esta
gente os portugueses valem tanto com os pobres argelinos, marroquinos ou
tunisinos. O seu correio, tal como o seu país e a sua pessoa, nada disso
interessa.
Outro caso é o do arquitecto suíço que fala alemão. Veio ele morar para uma
cidade no nosso Sul. Comprou uma casa e, passado pouco tempo, apresentou um
projecto de alterações. Na Câmara Municipal respectiva o «dossier» referia o
rés-do-chão da casa como espaço de «uso próprio» mas a arquitecta da autarquia
percebeu o logro. Ela ia tomar a bica muitas vezes a esse espaço e sabia que as
pessoas pagavam renda à dona da casa. «Uso próprio? Nem pensar!» Em Marrocos,
na Tunísia ou na Argélia talvez o senhor arquitecto pudesse fazer o que
quisesse mas aqui, neste velho país, não pode ser a lei do «por aqui me sirvo».
Isto aqui não é o da Joana. Numa altura em que tanto se fala da Europa, da
moeda europeia, da coesão europeia, da crise europeia, estes incidentes servem
para mostrar como há problemas que nunca chegam às páginas dos jornais. A
propósito veja-me como o jornal inglês «Sun» referiu a morte de 96 pessoas em
15-4-89 no jogo Liverpool-Nottingham Forest em Hillsborough Park dando eco às
mentiras de Margaret Thatcher. A gente do Norte da Europa não pode olhar para
nós como pessoas de segunda classe. Ou terceira. Isso era nos comboios de
antigamente. José do Carmo Francisco
--

Autoria e outros dados (tags, etc)

por José do Carmo Francisco às 20:08


1 comentário

De Olinda a 11.10.2012 às 10:52

uma famelga de riso. :-)

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