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Transporte Sentimental



Quinta-feira, 30.06.16

«levante-se o réu outra vez» de rui cardoso martins

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Ao longo de 17 anos Rui Cardoso Martins (n.1967) escreveu crónicas no jornal «Público» sobre as audiências de julgamento em que esteve presente no Palácio da Justiça de Lisboa. O nome é irónico pois muitas vezes o maior inimigo da Justiça é o Direito. O autor tem dois antepassados de peso na área da crónica urbana: Manuel Geraldo (Salvada) e Orlando Neves (Portalegre). O primeiro com «Um juiz no alto do Parque», o segundo com o livro «Lisboa em crónica» (1968) e a antologia «Palhas alhas» (2000). Mais do que temas do tribunal, estas crónicas constituem uma «antropologia das subculturas urbanas» e o seu ponto de partida é uma reflexão sobre o passado, num país onde a justiça é sempre lenta: «Qual é o peso exacto do nosso passado? Em quanto nos fica enterrá-lo para sempre e quanto custa chamá-lo em caso de necessidade? Para dominar o passado, usa-se a cabeça e o coração em conjunto ou só um deles e, já agora, qual? Dão cursos disso? Em caso afirmativo será acessíveis à maioria das bolsas? E o que fazer quando, apesar das maravilhas que o tempo, esse grande escultor, vai fazendo às nossas piores lágrimas, o passado é tão poderoso que trepa pela perna do tempo acima e regressa sem aviso, para nos fazer mal e, porventura, nos estragar a noite?» A morte é um dos factores, seja individual («Foi deste modo que morreu Vera, uma criança de quatro anos») seja colectiva: «Em Verdun, a linha da frente não variou mais de um quilómetro em dez meses. O chão ficou tão poluído de obuses e gases que a vegetação não cresceu durante anos. Morreram cerca de 700 mil homens para nada. Ou melhor, morreram para morrerem. Quase todos se fundiram com a terra e nunca foram recuperados.»

Outras vezes alguém sobrevive mas não quer voltar ao lugar: «Deixei de ir ao local do acidente-. O filho gostava daquele parque infantil, começara a crescer lá. – Já não vamos. O miúdo lembra-se sempre.» Outras vezes alguém vende roupas na rua («logótipos falsificados, costuras ranhosas, golas torcidas, tecidos macacos, cores fatelas, baínhas disformes»)ou então vende ouro: «O ouro é imortal e nós qualquer dia acabamos.» O livro de 343 páginas confirma o prefácio de António Lobo Antunes: «A primeira vez que ouvi falar do nome de Rui Cardoso Martins foi pela boca do escritor José Cardoso Pires, o meu melhor amigo. O Zé sempre foi um homem de poucas palavras e de muito poucos elogios.» À pergunta óbvia «Escreve o quê, esse?» José Cardoso Pires respondeu: «Coisas acerca de tribunais, tão bem cozinhadas que nem se dá pelo fogão aceso.» Ou isso, dizemos nós, os leitores felizes destas crónicas onde se mistura de modo hábil o sangue pisado da vida e o estilo da escrita. Sempre com o cuidado de não cair nem no simples testemunho nem no puro exercício. (Editora: Tinta de China, Prefácio: António Lobo Antunes, Capa: V. Tavares) --

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por José do Carmo Francisco às 15:47

Terça-feira, 28.06.16

ruslam botiev - o olhar dum artista mongol sobre a tourada em portugal

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Ruslam Botiev está em Portugal há muitos anos. Em Murça fez muitas «porcas de Murça» para o presidente da Câmara e para os vereadores do Município local. Pintor, escultor, homem das filosofias, Ruslam Botiev tem uma carreira feita de persistência e de talento num terreno que não é fácil pois está minado por muito jogo sujo, miserável e subterrâneo. Com um sorriso nos lábios, ele tudo tem vencido, mesmo os obstáculos mais complicados. Tenho orgulho de o ter acompanhado desde o tempo em que ele fugia da chuva inclemente debaixo do elevador de Santa Justa. Muitas vezes nos domingos de manhã por ali passei com a minha mulher e lhe comprei pequenas peças. Um dia apresentou-me a mulher (bonita e simpática) que levou para o seu país (Mogólia) uma fruteira em loiça das Caldas da Rainha. Uma peça Bordalo Pinheiro para um destinatário digno do presente. Hoje surpreendeu-me com esta peça sobre uma tourada portuguesa. E eu ainda me surpreendo. Ruslam Botiev que tem um curso de Filosofia e é um antropólogo sem diploma, já me tinha falado do seu «boi bumba» que no Brasil se chama «bumba meu boi». Ele acredita que foram homens do seu país (Mongólia) que levaram para o Brasil num barco essa e outras tradições. A reprodução não consegue dar toda a força dos traços do desenho deste artista da Mongólia apaixonado pela tourada portuguesa. Quando ele vinha todos os dias de manhã de Almada na ponte 25 de Abril olhava para Lisboa e dizia «Bom dia Portugal!». Com este quadro é outra maneira de dizer «Bom dia Portugal!» e agora que estamos em cima das Festas de São Pedro no Montijo ainda mais me lembro de todas as memórias do meu tempo nessa terra ao tempo de fragateiros, pescadores e camponeses. Obrigado Ruslam Botiev, artista Mongol, por mais esta prova de amor a Portugal. --

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por José do Carmo Francisco às 14:37

Domingo, 26.06.16

as caravanas dos ciganos em blackheath park

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Eu gosto muito de fotografias antigas e existe (eu já a vi) uma a preto e branco mostrando alegres caravanas de ciganos na rua central do Balckheath Park, não por acaso uma rua que, ao mesmo tempo, dividia o território de duas municipalidades: Greenwich e Lewisham. Ninguém os multava por causa disso. Formou-se uma comissão autárquica que estabeleceu os limites entre os dois «council» - como ali se diz. Tudo isto tem a ver com o referendo deste mês. Vou a Inglaterra desde a Páscoa de 1976 e não me esqueço que fui interrogado em Luton num Escritório de Imigração para saber se ia para lá trabalhar, eu que ia numa viagem de finalistas do Instituto Britânico de Lisboa. E eles sabiam porque eu ia num voo fretado da companhia Monarch Airlines. O professor Mário Moniz Pereira conta que nos Jogos Olímpicos de 1948, mesmo depois de o Comité Olímpico Internacional estabelecer o uso das medidas correctas no resto do mundo (centímetro, metro, decâmetro) eles continuaram a usar jardas e milhas. Nunca quiseram o Euro e continuaram com a Libra. Estavam com um pé dentro e o outro fora. A senhora que no Registo Civil tratou do casamento da minha filha Ana Maria em 2005 perguntou-lhe pelo «visto» como se ele fosse da Colômbia ou do Equador. Era uma terra lá para o meio do país mas uma pessoa com o cargo desta Conservadora do Registo Civil não pode afirmar um desdém tão acentuado perante uma jovem portuguesa, oriunda de um país (Portugal) que tem as fronteiras definidas mais antigas da Europa. Perguntar pelo «visto» em 2005 é estar fechada no seu mundo, no seu pequeno mundo. O mundo afinal de onde nunca saiu essa senhora do Registo Civil e todas as outras senhoras que votaram no referendo. --

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por José do Carmo Francisco às 16:27

Domingo, 26.06.16

joão couto em barroca de alva - a força de um grande campeão

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O Sporting Clube de Portugal é campeão nacional de Juvenis na época de 2015/2016. Os campeões dentro do campo são os jogadores mas no banco foi João Couto que pôs a máquina em movimento. João Couto sabe muito de futebol em geral e de futebol juvenil em particular. Lembro um certo jogo em Abrantes no meio da chuva com um vendaval de golos marcados pelos suplentes de luxo daquela equipa de Juvenis hoje perdida nos recantos da memória. Quando esteve nos Juniores recordo uma conversa em Setúbal que foi dois anos a besta negra. Mas o grande problema da Formação é este: as pessoas querem vitórias «custe o que custar e doa a quem doer» mas o principal do futebol de Formação é mesmo formar jogadores e levá-los à equipa principal. Trata-se de uma luta contra o tempo. É claro que formar a vencer é melhor do que formar a perder ou a empatar. Mas o ideal nem sempre é possível. E viver é a arte do possível, apenas isso, nada mais que isso. Fui jornalista do «Sporting» de 1988 a 2006, é daí que conheço muitos jogadores (Miguel Garcia, Hugo Viana, Simão Sabrosa, Nani, Cristiano Ronaldo, todos os outros) e lembro-me bem de ter escrito uma crónica de um outro campeonato nacional de Juvenis intitulada «As canadianas voadoras de Fábio Paim». Neste momento de júbilo, que é mais que alegria, há duas coisas que eu recordo e não esqueço: os quadrados de marmelada que eu e o mister João Couto partilhámos no campo do 1º de Maio em Sarilhos Pequenos quando no fim o Manuel Fernandes aparecia na cabina para festejar connosco e com os miúdos. A outra são as canadianas voadoras de Fábio Paim que alguém atirou ao ar muitas vezes num outro campeonato, seguram ente antes de 2006. Os hidratos de carbono da marmelada e a utilidade das canadianas são o esplendor do efémero. Parabéns! --

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por José do Carmo Francisco às 14:07

Sábado, 25.06.16

«futebol a sério» de carlos daniel

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Na página 50 deste livro o nome do jogador Álvaro Cardoso (1914-2004) surge errado (Correia em vez de Cardoso) confirmando uma ideia estabelecida há muito em Portugal: ser diferente já é mau, ser superior é ainda pior, ser do Sporting Clube de Portugal é o pior de tudo. Ainda o autor deste livro (Carlos Daniel) não tinha nascido (1970) já Figueiredo estava proibido de substituir José Torres (com injecções de novocaína) em Inglaterra (1966), tal como em 1986 Manuel Fernandes foi excluído da selecção nacional no México, do mesmo modo que Paulo Alves em 1996 e Adrien em 2016 não contam para a chamada «equipa de todos nós». O autor apresenta-se deste modo: «Gosto demasiado de futebol para o reduzir a ciência, mas também o aprecio em demasia para desprezar o quanto se estuda sobre ele.» O próprio título do livro («Futebol a sério») sugere uma atitude e apela a um princípio («No futebol de hoje a guarnição comeu o bife») mas na página 141 aparece uma aparente contradição: «Portugal perdeu o apuramento para o França/98 quando um árbitro francês chamado Marc Batta fez o que pôde e a falta de vergonha lhe consentiu para que a Alemanha – que seria eliminada – não faltasse ao Mundial francês.» A relativa contradição continua nas referências a Bill Shankly pois na página 29 se copia uma das suas frases («O futebol não é uma questão de vida ou de morte mas algo mais importante do que isso») e na página 117 se relativiza tudo: «Afinal Shankly estava enganado: o futebol é muito menos que uma questão de vida ou de morte». Pelo meio uma das frases mais emblemáticas do treinador oriundo de um país que só foi campeão do Mundo na única vez em que organizou a prova: «O problema dos árbitros é que eles sabem as regras mas não conhecem o jogo». Na página 67 aparece a palavra «rival» em vez de adversário, na página 32 onde está Jorge Nuno Coelho é João Nuno Coelho, na página 288 é bem «A.C.» em vez de «a.C.» e na ficha de Guttmann talvez se justificasse uma referência ao trabalho feito no clube Lanerossi (Itália). O que mais encanta neste livro é a possibilidade de o ler como um romance; bastaria a página 113 com o guarda-redes Duckadam a receber a visita inesperada de uns torturadores que lhe partiram os dedos da mão direita por causa dos ciúmes de Valentim Ceausescu. Livro dedicado ao pai do autor (Ao meu pai, tudo isto lhe devo) acaba por ter outro destinatário na página 292: Este livro é para ti, Zé Maria, «o guarda-redes que voava». Mas nos agradecimentos um comovido aceno a dois irmãos (Miguel e Flávio) repetindo o que eu tenho intuído desde 1978 quando comecei a escrever sobre livros nos jornais: a literatura é o amor em palavras que faz juntar de novo tudo o que a morte separou. (Editora: A Esfera dos Livros, Coordenação Editorial: Jorge Reis-Sá, Prefácio: Fernando Santos) --

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por José do Carmo Francisco às 11:10

Sábado, 25.06.16

as duzentas mulheres da lezíria

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A voz de Susan Boyle, um misto de potência e beleza, majestade e furor, limpidez e eficácia, rebentou com a escala num concurso televisivo inglês. Vergou o desdém do júri e a má vontade do público. Ocorreu-me logo a memória de um poema de Miguel Torga sobre as mulheres da Lezíria. O que na mulher escocesa de 47 anos era anonimato e solidão era, nas palavras de Miguel Torga, o esplendor da voz da Terra, a tristeza multiplicada de duzentas mulheres com os pés enterrados na água do arroz. E todas as colheitas perdidas dos sonhos por realizar. Não por acaso a canção do musical «Os Miseráveis» que levou a voz de Susan Boyle a todo o mundo se chama, em português, «Eu sonhei um sonho». Eis o poema de Miguel Torga: São duzentas mulheres. Cantam não sei que mágoa Que se debruça e já nem mostra o rosto. Cantam, plantadas n´água Ao sol e à monda neste mês de Agosto. Cantam o Norte e o Sul duma só vez, Cantam baixo e parece Que na raiz humana dos seus pés Qualquer coisa apodrece.
Elas cantavam «o Norte e o Sul duma só vez» porque nesse tempo arrastado das migrações sazonais para o Ribatejo os ranchos de mulheres juntavam, na alta pureza das vozes a cantar, o esplendor dos sonhos enterrados no lodo com os pés de quem cantava (Foto do Rancho Folclórico da Gouxaria – Alcanena) --

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por José do Carmo Francisco às 10:06

Quinta-feira, 23.06.16

«a vida no campo» de joel neto

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Joel Neto (1974) abre este seu belo livro de 228 páginas com duas citações de Jorge Luís Borges e de Fernando Pessoa e, numa espécie de prefácio, explica que a literatura se inventou para falar dos que «não entram na História» ao contrário dos «aventureiros, dos inventores e dos facínoras». Estas citações antecedem as de Vitorino Nemésio e Raul Brandão sobre as Ilhas («o melhor da ilha é a ilha em frente»), de Vergílio Ferreira sobre o tempo («O passado nunca existiu. Por isso é que nos fascina.»), de António Ramos Rosa sobre as árvores («Não sei se é o ar se é o sangue que habita nos seus ramos») e Marcolino Candeias sobre a capital da Terceira: «Angra, oh minha cidadezinha de bolso». Natureza e Cultura – são estas as duas inscrições maiores das crónicas que, todas juntas, formam a memória justificativa de um tempo. Joel Neto situa-se entre a Paisagem o e Povoamento, os seus textos evocam e invocam expressões própria do lugar («Tu és um disparate!»)ou palavras como «piscas e pechinchinhos, tarelos e tafulhos. Gamas e donetes, sueras e alvarozes. Cambetas, banaços, batacus. Custódios, alaricados, laparosos. Belicas e biscoitas, valhacas e maraus. Pitafes e tricofaites. Naiões, basões e tatões.» A diferença entre Campo e Cidade está também nas ambulâncias: «A última vez que andei de ambulância foi em Lisboa. Também já andei de ambulância aqui na ilha. Em 1994, numa noite de Março – estava cá de férias da Páscoa. Foi a noite em que o meu avô morreu e o bombeiro que lhe apurava os sinais vitais era o Victor Hugo. Tínhamos jogado juntos no Lusitânia. No campo quando uma sirene ecoa, os ocupantes têm sempre nome. Os próprios bombeiros têm nome». Entre a Vida e a Literatura, entre o sangue pisado e o estilo, há aqui retratos gerais como de Angra («Eu nunca viveria em Angra.»), dos jornais («Os jornais eram o outro lado do mundo. Um espelho em que nos víamos. Escrevo para eles há mais de vinte e cinco anos.»), os toques do sino da igreja («Se tocar três vezes, é homem. Se tocar só duas, é mulher»), o amigo S. («um homem que não sabe nada sobre o seu pai nunca saberá nada sobre si próprio»), o desabafo do pai de Joel Neto («O maior erro da minha vida foi ter ficado aqui») que se cruza com a frase de um amigo sobre os Açores: «Um lugar onde nunca se chega e de onde nunca se parte». Mas há também retratos pessoais como os da mãe (« A minha mãe deu-me o amor à terra.»), do próprio autor («Não sejas cínico: sê múltiplo. Aprende a povoar-te. Evita os absolutos. Ama o que puderes.»). Joel Neto recorda os seus poetas (Fernando Pessoa, Ramos Rosa, Emanuel Félix, Marcolino Candeias) e os prosadores (Nemésio, João de Melo, Álamo Oliveira; Hardy, Faulkner, Steinbeck) para chegar ao «Diário Insular» e a José Daniel Macide, o seu primeiro bardo com a «Balada para Angra»: «É pecado dizê-lo, amora mas se eu fosse Deus serias a minha namorada». Por fim a música seja ela memória («O Menino mija?») e as marchas de John Philip de Sousa («Os velhos estacionavam na cabeceira onde deixavam senhoras fazendo renda») ou o sonho adiado de ir na Filarmónica: «O que eu queria era ter desfilado à frente da filarmónica.» (Editora: Marcador, Capa: Marina Costa, Foto contracapa: António Araújo, Foto capa: Joel Neto, Revisão: Joaquim Oliveira, Paginação: Maria João Gomes) --

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por José do Carmo Francisco às 13:41

Terça-feira, 21.06.16

lá vai a filarmónica pelas ruas de santa catarina

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Nesse dia 19 de Junho tinha eu cinco anos e mandaram-me brincar para a estrada. Ao tempo brincar na estrada não era perigoso porque havia pouco ou quase nenhum trânsito. A estrada era de macadame e uma vez por ano vinham os presos da cadeia comarcã das Caldas da Rainha para cavar as valetas. Os carros de mão e as pás-balde eram guardados no nosso quintal. Foi por essa altura que me mandaram brincar para a estrada para que as mulheres pudessem fazer o seu trabalho entre panelas de água quente e lágrimas felizes. Parece que foi ontem; o tempo voa. Eu já tinha outra irmã de dois anos (quase três) tão forte que o meu avô lhe chamava morcela. Pelo contrário esta irmã que nasceu em 19 de Junho foi sempre frágil. No Montijo teve uma gastrite grave e um vizinho nosso que tinha uma taberna (o senhor Ilhéu) emprestou 5oo escudos para o que fosse preciso. Nos vivíamos na Rua Sacadura Cabral, perto do cemitério e essa proximidade arrepiava toda a gente. Nunca me vou esquecer de um garoto que foi atropelado no Afonsoeiro por uma motorizada e morreu. A minha irmã mais nova safou-se dessa mas depois vieram outras coisas como a tosse convulsa cujo remédio era um xarope feito artesanalmente com açúcar louro e figos da Índia. Nesse tempo a morte era uma indústria e a vida era um artesanato. Quando vinha a Lisboa no vapor da carreira a minha irmã mais nova só bebia água da bilha que o capitão trazia de um poço particular. Escrevo esta crónica no lugar dos olhos de água de Alcanena num dia de sol e pó e nada melhor para a ilustrar que dois retratos da filarmónica da nossa terra entre sol e pó, uma a preto e branco, a outra a cores. Ontem e hoje, pode ser a legenda. Os mortos empurram os vivos: o nosso tio Joaquim empurra o nosso primo Luís Almeida. Estamos todos nas fotografias. Todos. Foto a cores: Beatriz Raposo Foto a preto e branco: Direitos Reservados --

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por José do Carmo Francisco às 13:16

Sábado, 18.06.16

espero que desta vez pedro barbosa esteja melhor

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Aqui há dias assinei um texto no Blog «transporte sentimental» que passei ao Facebook acompanhado por uma foto de Pedro Barbosa mas com um problema: não se via a bola e isso é muito importante quando se trata de um jogador que anda sempre de cabeça levantada. Esta minha incapacidade para trabalhar bem com a informática está na origem de muitos problemas na minha vida: nunca gostei não da informática em si mas da importância que muita gente lhe dava no meu local de trabalho. E de tal modo isso era importante que eu estive sete anos sem ser promovido como castigo por não se um entusiasta dessas coisas. A informática destruiu a vida de muita gente e ainda está por fazer essa contabilidade. Ora quando me reformei com 32 anos de casa fui convidado a escrever para um jornal mas, como ainda era tudo feito à antiga, eu usava uma máquina de escrever e não havia problema. Problema surgiu em Outubro de 1997 quando fui convidado a integrar a redacção de um jornal no qual já ninguém escrevia à máquina. Quando me viram chegar com a minha velha «Olivetti» (que ainda tenho) houve sorrisos na sala e ainda desci as escadas do gabinete do director mas tive vergonha do que os meus filhos ficassem a pensar e por isso voltei atrás e pedi ajuda ao João que era um dos gráficos desse tempo. O outro gráfico do jornal era o Chico (sem dúvida bom rapaz) mas o João tinha mais paciência para as minhas calinadas informáticas. Uma coisa que eu aprendi com o meu mestre Jacinto Baptista no «Diário Popular» foi a respeitar a componente ilustrativa; isto em 1978 quando se vivia ainda na pré-história da paginação dos jornais. É em nome desse respeito que eu procuro de novo publicar uma foto de Pedro Barbosa da autoria do Pedro Cruz. Espero que desta vez não falhe. --

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por José do Carmo Francisco às 19:07

Sexta-feira, 17.06.16

santarém (e não só) nas memórias de um miguelista

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Francisco de Paula Ferreira da Costa (1788-1859) inclui Santarém e muitas outras localidades hoje ribatejanas nas suas memórias que cobrem o período de 1833-1834. O livro tem prefácio e notas de João Palma-Ferreira. Vejamos: «As digressões de Ferreira da Costa, quase sempre a pé, na companhia do filho e de comitivas de acaso, iniciam-se na madrugada de 24 de Julho de 1833. Abandona a capital pelo Campo Grande e, por Cabeço de Montachique e Enxara do Bispo, vai até Torres Vedras. Em 26 de Julho prossegue para a Roliça, passa por Óbidos e atinge as Caldas da Rainha. Parte em 27, é detido pela guerrilha liberal que esteve a ponto de o liquidar, passa pela Cela onde meliantes locais tentam assassiná-lo e acolhe-se a Alcobaça. Em 30 de Julho segue para Leiria, visitando primeiro a Batalha. Em 1 de Agosto pernoita em Pombal assolado pela cólera morbus e vê morrer alguns frades do Convento dos Arrábidos. Em 2 de Agosto está na Redinha e em Condeixa e chega a Coimbra. Em 24 de Agosto abandona Coimbra e passa por Condeixa, Redinha, Venda da Cruz e Pombal, chegando a Leiria na noite de 26. Em 28 de Setembro sai de Leiria na peugada do Exército de D. Miguel que já estabelecera linhas no Lumiar. Faz caminho pelos Carvalhos, Candeeiros, Rio Maior, Alcoentre, Carregado e Santo António do Tojal. Fixa-se no Lumiar. Após os fracassos de D. Miguel no assédio à capital, Ferreira da Costa volta a partir. Em 10 de Outubro pela estrada de Loures, segue por Vila Franca de Xira, Vila Nova, Azambuja, Cartaxo e a 13 chega a Santarém. Em 14 parte para Abrantes, passando por Alviela, Golegã, Barquinha, Constância e Rio de Moinhos. A 16 encontra-se em Abrantes. Em 28 de Outubro parte de barco por Constância e Chamusca e no dia seguinte está em Santarém. Em 17 de Maio de 1834 Ferreira da Costa e comitiva tomam o caminho de Évora por Almeirim, Coruche, Lavre e Montemor e chegam à última capital de D. Miguel no dia 20. Em 31 de Maio, «consumada a comédia», como escreve, regressa a Lisboa por Montemor e Lavre e depois por Coruche e Salvaterra. Em 2 de Junho embarca em Salvaterra e a 3 de Junho, às três da madrugada, chega ao Cais do Tojo.» Fim de citação. --

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por José do Carmo Francisco às 18:53

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