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Transporte Sentimental



Domingo, 10.04.16

«o rio que vem depois» de vergílio alberto vieira

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Vergílio Alberto Vieira (n.1950) é autor de livros editados em Espanha, Bulgária, Egipto, Moçambique e Brasil. Poeta, crítico literário, ficcionista e autor de livros para a infância, este autor participou no evento «Poesia, um dia» da Câmara Municipal de Vila Velha de Ródão. O livro é um resultado e o ponto de partida é o lugar da estadia (Foz do Cobrão), um lugar onde «Entre montanhas dorme o rio» e onde se avista o outro rio, o Ocreza: «Às ordens da natureza /Faz-se tempo, sombra, mágoa / Até deixar com tristeza / De ser rio, só ser água.». Aqui não se trata apenas da paisagem porque o poema procura o registo do povoamento como em «Mercado dos Regateiros»: «À primeira hora do dia / Acorrem vozes à uma / À praça onde principia / O leilão a que nenhuma / Safra à venda há-de faltar / Trocada paga a dinheiro / Que o propósito é feirar / À vista do pregoeiro». Mas não apenas o ócio; também o trabalho: «Já p´la Tapada Grande é Verão / Que as eiras sabem-no bem / Quantas espigas vale um grão? / Pergunta o ancião a quem / Vem à terra a vez primeira / Em demanda do além / Até que a tradição o queira / E os antigos também». Na paisagem há os grifos («Em círculos leves fechados / Cercam o espaço de azul / Às Portas de Ródão regressados / Os grifos para os quais o Sul / É norte, casa e abrigo / Castelo, alta morada / Milenar impérío antigo / Perdido a troco de nada») mas também os comboios: «P´las Portas de Ródão entrado / Chego o comboio à estação / De flores engrinaldado / Como manda a ocasião / Sobre a máquina a vapor / Maquinista e guarda-freio / Vigiam com destemor / A linha por onde veio». Por fim os poemas encontram-se, tal como as pessoas, no Largo do Pelourinho: «Que é domingo em Vila Velha / Logo a indumentária o diz /Quando o povo subindo a quelha / Entra no largo, feliz. /À vista do pelourinho / Onde tanto sentenciado /Sofreu com desdém, escarninho / Prisão e exílio forçado.» (Editora: Companhia das Ilhas, Capa: Manuel Cargaleiro, Prefácio: Jaime Rocha, Foto: Alfredo Cunha, Direcção: Carlos Alberto Machado, Fotografias: Município de Vila Velha de Ródão 2012) --

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por José do Carmo Francisco às 18:29

Domingo, 10.04.16

joão soares não conhece josé vilela e é uma pena

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João Soares não conhece José Vilela e é uma pena para todos nós Uma das razões que me levaram a sair contrariado do Blog «aspirinab» foi a minha incapacidade para lidar com os insultos de alguns dos seus frequentadores. A tempo e horas o editor («Bonecos Rebeldes») e livreiro (Escadinhas do Duque 19 A) José Vilela avisou-me de que nunca se deve responder a insultos porque assim quem responde coloca-se ao nível de quem o pretende ofender. Aprendi a lição à minha custa e quando surgiu o Blog «transporte sentimental», graças ao trabalho da equipa da Dra. Maria João Nogueira da PT, logo no primeiro «post» uma criatura veio tentar a sua sorte procurando insultar-me mas não respondi nem responderei. Se querem fazer melhor, trabalhem para isso. Se é só para dizer mal, fiquem no lixo humano de onde vieram. O resto é conversa e da treta. Neste caso de João Soares parece-me que algo de parecido se passou: não se pode responder a quem apenas procura ganhar a sua vida a dizer mal de tudo e de todos. Uma das criaturas até usa um nome que não é seu, mostrando com esse abuso uma fragilidade enorme. A usurpação de um nome é um ponto de partida péssimo. A outra criatura também está desqualificada e não passa de um equívoco ambulante. A vida é assim: tem mais desencontros do que encontros porque se o editor João Soares tivesse conhecido e encontrado o editor José ´Vilela teria aprendido como eu a não responder a criaturas deste jaez. Responder é descer ao seu nível, é tomar a sério o que dizem mesmo quando vem, como é o caso, dos caixotes do lixo da cidade onde todos vivemos. Mas todas as ruas têm (ainda bem) dois passeios: essas criaturas usam um lado e não há misturas com gente de bem, gente séria como nós, gente que dorme sem remorsos todas as noites. Desejo felicidades ao novo ministro da Cultura, Luís Filipe Castro Mendes. --

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por José do Carmo Francisco às 14:45

Sábado, 09.04.16

a jornalite aguda de vitorino nemésio

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Sou o mais recente colaborador/cronista do «Correio do Ribatejo», só entrei para a equipa em 2016 mas talvez até por ser o mais novo, sinto que a minha crónica pode ser diferente das outras. Nem melhor nem pior que as outras mas apenas diferente. Celebro os 125 anos do jornal que começou por se chamar «Correio da Extremadura» e coloco em linha um mapa de Portugal desse tempo. Ao vê-lo se percebe que a Estremadura era enorme em 1891. Tinha três distritos (Leiria, Santarém e Lisboa) mas Setúbal era ainda apenas concelho e só em 1937 passa a distrito. Adiante. Um jornal é uma catedral de papel a envolver os sonhos de quem o faz e de quem o lê. As minhas «crónicas do Tejo» são apenas uma pequena capela na grande catedral que nasce e morre todas as semanas. Procuro dar o meu melhor em cada texto semanal. A jornalite aguda de que falava Vitorino Nemésio é uma infecção para toda a vida. Eu fiquei preso à magia da máquina da «Gazeta do Sul» no Montijo quando em 1957 por lá passava e ficava com o nariz colado ao vidro da montra. Hoje esse jornal já não existe mas eu continuo com a jornalite aguda. A de Nemésio nasceu na Vila Praia da Vitória quando ele, ainda miúdo, escreveu umas «Notícias da Praia» que enviou para Angra do Heroísmo ao cuidado do jornal «A União». Conta assim, a chegado desse jornal, o grande senhor das Letras Portuguesas: «Escondi o jornal na blusa, em cima do coração, à porta do Correio e só parei de correr quando estendi a minha mãe, metida no segredo, o meu primeiro troféu de plumitivo.» Anos mais tarde, já batido numa profissão que definiu de modo peculiar («ser jornalista é andar à roda do mundo num pé só») virá garantir: «Há ali miséria, efemeridade, glória e o pão que o diabo amassou». Pois é. --

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por José do Carmo Francisco às 11:25

Quinta-feira, 07.04.16

«largo da mutamba» de domingos lobo

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Domingos Lobo (n.1946) venceu o Prémio Literário Alves Redol 2013 com este volume de histórias; seu título «Largo da Mutamba» acaba por ser o lugar-metáfora de um tempo e de uma guerra que quase não se dá por ela; seja no privado («da guerra não se falava, top secret, assunto reservado à messe de oficiais, coisas de homens») seja no espaço público: «nem sequer os jornais a ela se referem, muito menos a rádio que anda entretida com cantiguinhas de amores lamechas e festivais canoros na televisão que aqui ainda não há». A literatura «(O Leopardo») está presente na vida quotidiana: «Morreu um ditador, outro se lhe seguiu, dizem que mais brando, que alguma coisa é preciso mudar para que tudo fique na mesma». O ponto de partida é a cidade de Luanda e a redacção de um jornal que «ficava numa rua estreita de prédios baixos» onde chega de Lisboa um jovem com bagagem pobre na aparência mas rica em livros: «um Céline, um Camus, um Lawrence Durrel, um Jorge de Sena». O trabalho era rotineiro: «Depois do tirocínio pelas polícias seguia para a baiúca e deglutia o guisado que o tasqueiro lá da rua me fornecia, a preços módicos». A história que dá titulo ao livro («Toda a nudez será castigada») tem o seu nome roubado ao dramaturgo brasileiro Nelson Rodrigues e articula um gesto de censura («Um vigoroso, grosso lápis azul») sobre uma prosa jornalística escorreita, simples e directa: «Noite insólita, fantástica. Vivida no pacato Largo da Mutamba. Um militar do exército passeou nu, de madrugada, naquela conhecida e central praça de Luanda». Enquanto lembra Lisboa («deixei Lisboa, há três anos atrás. A morrinha, o frio e eu encolhido no cais») o autor assiste à debandada geral num linguado por acabar duma máquina de escrever na redacção dum jornal: «A loucura tomou conta de Luanda. Os movimentos de libertação digladiam-se sem tréguas nas ruas da cidade. Os colonos tentam fugir deste Inferno levando o que podem ou o que lhes permitem levar. Não há regras.» Entre um e outro momento, entre a chegada e a partida, a vida em Luanda é um pesadelo («São medonhos os pesadelos nestas noites quentes e enormes») e tudo nessa vida se pode resumir a uma mala vazia: «A mala, a sua mala vazia, estava agora tão leve, evanescente que as suas mãos de vento não a conseguiam agarrar: era apenas o seu corpo, os seus ossos, uma canoa perdida que flutuava à deriva no nevoeiro». Dito de outra maneira e porque a história não acaba – o Largo da Mutamba estava repleto de soldados e de corvos e, lê-se na página 91, «consta que ainda lá estão petrificados». (Editora: Veja, Prefácio: Manuel Frias Martins, Capa: Carlos César Vasconcelos, Revisão: João Ferreira, Paginação: Vítor Batista) --

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por José do Carmo Francisco às 13:07

Quarta-feira, 06.04.16

canção para um menino que nasceu numa noite de tempestade

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Cansado do grande trabalho de nascer, na pequenina cama batida pelo sol de Lisboa, o menino dorme. No dia em que nasceu este menino com um dia de idade saiu da tipografia o mais recente livro deste seu avô, obscuro e cansado cabouqueiro de palavras. Sobre o livro já José Vilela falou eufórico a meio dum fraterno almoço semanal, já Rui Dias e Miguel Barros mandaram cada um a sua mensagem no Facebook, já Bernardes Dinis telefonou apaziguado e sorridente de Leiria, já Francisco José Viegas escreveu um louvor no «Correio da Manhã». Tudo o que liga o novo neto ao novo livro é a paixão pela vida porque quem escreve tenta sempre juntar de novo tudo o que a morte separou. Neste caso o livro é dedicado a três antepassados do menino que acaba de nascer. As datas de 1979, 1989 e 1995 marcam a morte de um avô do avô (n.1906), de um primo do avô (n.1969) e da mãe do avô (n.1929) e não por acaso o livro é dedicado a esses três mortos que não morrem porque não ficam esquecidos. Tanto os livros como as crianças são apostas na vida, sua plena e grande aventura de esperança, lucidez e justiça. Procuramos todos «amar e ser amados para não morrermos depois dos nossos filhos» como diz Júlio Machado Vaz na Antena Um mas cada um de nós interpreta esse programa à sua maneira. A proposta de vida é simples mas, como tudo o que é simples, acaba por se tornar difícil, profundo e pesado. Tal como num moinho de maré, a vida aparece todas as manhãs e despede-se todas as noites com aquele tom inevitável das coisas que não se podem discutir. O menino dorme cansado do grande trabalho de nascer. Lá for um tempestade agride os automóveis, as casas e as terras em frente ao Hospital. Tudo se agita menos o menino que ainda não começou a dormir mas já está cansado do trabalho de nascer. Que seja feliz! --

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por José do Carmo Francisco às 20:09

Domingo, 03.04.16

para gonçalo pereira - de como luiz pacheco pode ter lido rubem braga

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A primeira vez que troquei algumas palavras em directo com Luiz Pacheco foi na Livraria e Editora Parceria A.M. Pereira na Rua Augusta em Lisboa. Terá sido em 1968. Comprei-lhe por 7$50 um exemplar do livro «Textos Locais» que ele autografou; este livro foi impresso na Tipografia Alcobacence Lda de Alcobaça. Na geografia tudo tem a ver com tudo – Caldas da Rainha não é longe de Alcobaça e Luiz Pacheco, ao tempo, vivia nas Caldas da Rainha com a sua tribo: a mulher grávida e dois filhos pequenos. Afirma Serafim Ferreira no posfácio do livro «Textos Locais» em 1967 que Luiz Pacheco atira filhos à vida como o cavador lança sementes à terra porque «os filhos são nosso juízes e nossa aposta no futuro». Um dia pode acontecer e vai mesmo acontecer que esses filhos peçam pão («pão sem literatura, ó senhores») e não haja pão para lhes dar. Trata-se (segundo L.P.) de uma «música terrível que entra pelos ouvidos e endoidece quem a ouve». Mas é a atitude de Luiz Pacheco, a sua renúncia, o seu desdém pela ordem formal do Mundo à sua volta, o seu desprezo pela chamada vida literária que me leva a pensar neste poema algo inesperado num cronista como Rubem Braga, o poema «Adeus»: «Adeus, escritório, adeus / Para sempre e nunca mais / Eu vou partir pelo mundo / Vou para Minas Gerais. / Já não quero mais cidade / Onde tenho muita prisão / E nenhuma liberdade. / Nem quero ser lavrador / Quero ser um vagabundo / Do mais pobre e desgraçado / Mas de espingarda na mão. / Se precisar trabalhar / Mudo sempre de patrão.» Pode parecer uma ligação abusiva mas não pude deixar de a fazer; entre as atitudes de Luiz Pacheco e o poema de Rubem Braga existe algo de paralelo e de convergente. Mas nem todos podem arranjar a coragem para ficar à margem de tudo. Eu era só o 186 na lista do Pacheco. --

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por José do Carmo Francisco às 18:53

Domingo, 03.04.16

de caló a murillo lopes ou quando um azar nunca vem só

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Ainda e sempre, para mim o jornalismo é literatura e a literatura é artesanato. Nunca foi nem será indústria. Ainda sou dos que escreve à mão e usa uma régua para avançar nas linhas dos apontamentos quando os passo a limpo para o computador. Vamos aos factos. Fui convidado em 4-5-2015 pela Editora Gato do Bosque para trabalhar num livro sobre Vítor Damas. O projecto era simples, na aparência: juntar alguns textos dispersos juntar e ouvir alguma pessoas. Metade era um trabalho de arquivo, a outra metade era uma reportagem. Neste momento em que o livro saiu da Gráfica Simões e Gaspar Lda mas ainda não foi apresentado ao público, percebo que falhei uma das entrevistas, a de Murillo Lopes (n. 1944), falhei porque não a passei para o livro. Erro crasso e sem desculpa. Não sei explicar como é que as 25 linhas de apontamentos são saíram do caderno respectivo e saltaram para o «Word» e, por sua vez, para a arte final do livro «Vítor Damas – A baliza de prata». Também não sei explicar como, nas sucessivas revisões, não fui capaz de descobrir a minha falha. Estou desolado com o meu erro que é meu e só meu. Murillo Lopes que me perdoe. Tudo aconteceu numa sucessão de erros em cadeia. Quanto a Francisco Caló (n.1944) só agora, já o livro estava impresso, descobri o seu contacto e o escritório onde trabalha mas, apesar de tudo isso, o seu nome aparece várias vezes neste livro, nas páginas 26 (2 vezes), 27, 154, 210, 213, 215 e 216. E numa das fotografias. Nem o facto de ter trabalhado como repórter no Jornal «Sporting» entre 1988 e 2006 me levou a ter os contactos do popular Caló. Nunca calhou mas calha agora. Para já temos João Barnabé, Vítor Cândido e Luís Alberto Ferreira a lembrarem Caló no livro a propósito de Vítor Damas. Com Caló foram as circunstâncias, com Murillo Lopes foi um erro crasso que me tem tirado o sono há vários dias. --

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por José do Carmo Francisco às 15:31

Domingo, 03.04.16

federico garcia locar no caminho do montijo

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Era pelo Inverno de cinquenta e sete. No Porto Alto um homem de capuz e oleado segurava uma lanterna com dois vidros pintados e fazia alto com a outra mão. A ponte sobre o Sorraia era de madeira e só passava uma camioneta de cada vez. Não havia ao tempo muitas Mercedes Benz de cor verde e com a chapa do Estado. Meu pai saudava o homem entre a chuva e desejava-lhe uma boa noite impossível.

Se recordo estes passos e rituais dos caminhos desse tempo é porque aquele lugar marcava para mim o principiar da circulação de uma temperatura que me fazia lembrar Lorca. Eu tinha aprendido a ler nos jornais, meu pai trazia-os à noite para casa. Terá sido num Diário Popular que li um texto sobre o poeta assassinado. Mesmo sem conhecer os seus poemas comecei a sentir naquele espaço a respiração do verde e do vermelho, a relva sem fim e o sangue dos touros, o pó levantado pelos cavalos breves, os gritos dos campinos sempre longe e a noite sempre negra e sempre longa. Mais à frente, a caminho do Montijo, respirava o sal de Alcochete, o sabor conservado de uma angústia serena, a ideia imaginada de que estes campos verdes, estas oliveiras e este som da alegria rente à raiz de tudo, poderiam ter sido caminho do poeta Federico Garcia Lorca. Ainda hoje não sei porque cavaram tão depressa os cabouqueiros da morte. Sei que entre o Porto Alto e o Montijo algures entre verde e verde, uma sombra esguia faz sinal aos deuses e os deuses páram. Lorca poderia ter morrido aqui à porta desta taberna, a caminho do Montijo. (este texto escrito no Porto Alto integra o meu livro «As emboscadas do esquecimento») --

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por José do Carmo Francisco às 13:04

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