Domingo, 10.05.15
Estou ligado à Citroën desde sempre. Em criança viajei numa «arrastadeira» cujo nome oficial era «Traction», depois emprestaram-me livros da biblioteca itinerante da Gulbenkian numa carrinha da marca e desde 1983 sou cliente fiel, tendo começado com um «Dois cavalos», o sempre lembrado NH-83-30. O «Boca de sapo» tem uma larga história que começou em 1938, passou por 1955 e só se concluiu em 1975. Deve-se a três homens, cada um com a sua especialidade. André Lefèbre (1894-1964) foi engenheiro aeronáutico e ganhou o Rali de Monte Carlo em 1927, tendo chegado à empresa em 1935. Flaminio Bertoni (1903-1964) foi o estilista do automóvel e trabalhou na casa entre 1932 e 1961 ainda a tempo de supervisionar o «Ami 6». Paul Magès (1909-1999), de origens humildes, foi um autodidacta nesta casa desde 1925, sendo especialista em sistemas hidráulicos. O êxito deste automóvel foi tal que só no primeiro dia em Paris houve 12 mil encomendas chegando a um total de 80 mil encomendas no fim da exposição do Grand Palais. Há quem o considere o mais belo automóvel de todos os tempos. Outros vão pelo «Mini», outros pelo «Ford T». No meu caso sempre me fascinaram as linhas deste automóvel que nunca tive (era uma criança pois nasci em 1951) mas no qual viajei no tempo da vida militar entre 1972 e 1974. Desde o «Dois cavalos» de 1983 ao «Berlingo», passando pelo «Visa Club» e pelo «C15» até chegar ao actual «C3», todos os meus automóveis são, num certo sentido, o que resta da memória afectiva do «Boca de sapo». As três palavras-chave do mundo automóvel são «segurança, comodidade e rapidez» mas no meu caso apenas me preocupam as duas primeiras. É por isso que em 2015 continuo na mesma marca de sempre e o «Boca de sapo» continua a ser uma referência, uma memória de afectos. --
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por José do Carmo Francisco às 15:07
Domingo, 10.05.15
São famosas as primeiras linhas deste livro de John Hersey (1914-1993) que foi publicado em 1946 como reportagem na revista The New Yorker: «Exactamente às oito horas e quinze minutos da manhã do dia 6 de Agosto de 1945, hora japonesa, no momento em que a bomba atómica deflagrava sobre Hiroshima, a menina Toshiko Sasaki, funcionária do departamento de pessoal da Fábrica de Estanho do Leste Asiático, tinha acabado de se sentar à secretária no escritório e virava a cabeça para falar com a colega do lado». São seis as personagens cuja vida naquele momento (6-8-1945) é recuperada no trabalho do jornalista e escritor americano: a menina Toshiko Sasaki, o Dr. Masakasu Fujii, a senhora Hatsuio Nakamura, o padre Wilhelm Kleinsorge, o Dr. Terufumi Sasaki e o reverendo Kiioshi Tanimoto. A bomba atómica matou cem mil pessoas e estas seis contavam-se entre os sobreviventes. Os japoneses evitavam chamar «sobreviventes» aos que viveram os bombardeamentos de Hiroshima e Nagasaki, por isso passaram a chamar-lhe «hibakusha» que significa literalmente pessoas afectadas pela explosão. Num livro com 220 páginas é difícil destacar dois pontos mas as palavras de Eisenhower num texto de 1963 são espantosas: «O Japão tentava precisamente nessa altura render-se sem perder por completo a face. Não era necessário atingir o país com essa coisa abominável». Outro ponto é a conversa matinal do Dr. Sasaki com a sua equipa da clínica: «Não façam do dinheiro o principal objectivo do vosso trabalho; cumpram o vosso dever para como os doentes em primeiro lugar e pensem só depois no dinheiro; a nossa vida é curta e não vivemos duas vezes; o turbilhão levanta as folhas e fá-las girar mas depois deixa-as cair e estas formam um monte.» Para quem acredita que o jornalismo é uma disciplina da literatura, este é um livro a não perder. Para quem ainda não acredita este é também um livro a não perder, pois a sua leitura vai alterar tudo e o leitor vai passar a acreditar. (Editora: Antígona, Tradução: Fernando Gonçalves, Revisão: Júlio Henriques) --
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por José do Carmo Francisco às 12:23