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Transporte Sentimental



Domingo, 03.05.15

dissertação sobre «largo camões» de maria josé cabral

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Entre 1966 e 1976, durante dez anos, trabalhei na Rua do Ouro e passei quatro vezes por dia no Largo Camões, tal como a Tatão (Leonor Maia) no filme «O Pai Tirano» depois de ter ameaçado em voz alta «qualquer palerma que me apareça» de levar com a mala. Coitado do Chico (no filme) Francisco Lopes Ribeiro (Ribeirinho) de seu nome, ele que até saía a correr dos Armazéns Grandella logo ao meio dia para ver embevecido alguns passos atrás a sua amada Tatão que ia almoçar a casa da madrinha. Adiante, nestes passos tão comuns ao quotidiano e ao cinema, à vida e à arte. Um espaço na cidade para mim é sempre uma memória vivia; no caso desta crónica foi mesmo o sangue pisado da vida que se juntou ao estilo. A imagem diz respeito à noite no Largo Camões, apenas uma pessoa no quiosque, todo o conjunto sugere a noite com nuvens escuras como que em capacete sobre a Praça. No cimo da estátua o Poeta Camões continua a cantar os feitos do «peito ilustre lusitano» que deu «novos mundos ao mundo». Os aplausos são as luzes do Hotel em frente na noite da cidade. Hoje já não passo no Largo Camões quatro vezes por dia, tudo muda, tudo se altera com a passagem do tempo. Este postal que reproduz o quadro (acrílico sobre tela) de Maria José Cabral funciona assim como memória dum tempo que se fixou, um efémero que permanece, a apoteose de um momento. E o que para mim tem de mais belo é que não reproduz porque representa, que não regista porque inventa, que não fotografa porque inscreve. Representa um tempo, inventa um lugar e inscreve uma memória. Por isso não tem limites nem fronteiras nem se retrai no limiar de tudo aquilo que parece. Basta-lhe ser o triunfo do perene sobre o que passa. --

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por José do Carmo Francisco às 17:56

Domingo, 03.05.15

«caderno de significados» de graça pires

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Graça Pires (n. 1946) publica poesia com regularidade desde 1990, tendo o seu primeiro título («Poemas») recebido o Prémio Revelação de Poesia da A.P.E. em 1988. Este seu mais recente livro integra uma colecção na qual figuram textos de Casimiro de Brito, Amadeu Baptista, Maria Teresa Dias Furtado e Agripina Costa Marques. O ponto de partida é o quotidiano: «Escutar o rumor da morte na rotina dos dias, no sangue das palavras, na dor, na perda, no tédio. E renascer a toda a hora com a inocente respiração da vida. Serenamente». Aqui o olhar do poeta não pode ser indiferente: «Li no jornal que há idosos abandonados nas urgências hospitalares. Talvez se entenda a dor agarrada ao desleixo da roupa». Como resposta à aridez do dia-a-dia surge a infância: «Volta de novo, idade da inocência que foi minha. Traz-me nas tranças a cristalina alegria dos dias em que no fundo do coração nenhum nome me doía.» Infância que é também o lugar da casa: «Nós voltamos apenas para regar a sede, beber a terra, colher a paisagem, mastigar o silêncio, partilhar a fome e tornar depois a ir embora com o corpo a doer da própria ausência». Infância e casa juntam-se na emoção: «Se eu pudesse recordar uma canção de embalar na voz lentamente doce de todas as mães, escutaria, com certeza, o cantar da minha mãe só para que, em meu sono, eu não incline a cabeça para o lado onde ardem as lembranças». Podem ser a lembranças da mãe («Só na memória do teu rosto, mãe, posso encontrar agora as paredes da casa onde nasci») ou do pai: «partiste tão cedo como se tivesses vindo do lado mais desolado das sombras». A única reposta no poema à desolação do seu tempo é o amor: «Tu dizes o meu nome. Eu digo o teu nome. Não há mais ninguém na terra nesta hora urgente da paixão.» Graça Pires sabe que, como Camilo Castelo Branco, «a poesia não tem presente: ou é esperança ou saudade». Por isso o seu grito: «Há um grito rasgando o surdo rumor da chuva de Novembro. Um grito a cortar a respiração das árvores sem folhas. Um grito que estremece nas mãos das mulheres estéreis e no silêncio das aves que não voam.» (Editora: Lua de Marfim, Capa: Miguel Pais) --

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por José do Carmo Francisco às 11:12


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