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Transporte Sentimental



Segunda-feira, 30.09.13

um eléctrico, um bairro, uma cidade, um país, um certo tempo português

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«O eléctrico 16» de Filomena Marona Beja Helena desejava outra cidade e outro tempo («um tempo futuro»)mas vive entre dois homens (José Emílio e Joel) e cresce num Portugal cinzento, silencioso e conformista, cuja síntese está na frase de Salazar: «Está tudo bem assim e não podia ser de outar forma». A viagem do eléctrico 16 de Belém a Xabregas é a metáfora da própria vida: «Durante os anos cinquenta eram raros os automóveis no Bairro da Madre de Deus.» Além da educação sentimental e política de Helena, a autora escolhe a vida de um jornal (Diário Ilustrado) e uma campanha eleitoral (Humberto Delgado) como veios da narrativa. Será a força do efémero. Um jornal é efémero porque é a folha no vento e o embrulho de lancheira de operário ou de costureira. O Diário Ilustrado surgiu entre Dezembro de 1956 e Março de 1963. Acaba feito por dois jornalistas: Roussado Pinto e Dinis Machado. Carlos Eurico da Costa foi despedido e muitos camaradas pediram a demissão: «Carlos Costa apenas levara da oficina umas aparas de chumbo. Desperdícios.» A campanha de Humberto Delgado («que a PIDE haveria de assassinar em 1965») é recordada agora: «quando pensava nesse tempo, era dos desaparecidos que ela se lembrava. Das casas vazias. Dos cemitérios onde nunca fora levar flores». Ao mesmo tempo surge a memória dum filme - «A casa de chá do Luar de Agosto». Na opinião de Victor, o filme que passou no Cine Pátria «disfarçava-se de comédia, não o sendo. Tão pouco o enredo dizia respeito ao Japão, a fita refere-se à Coreia…» Há na literatura portuguesa (ficção e ensaio) um pormenor, uma respiração e uma perspectiva que oscila entre Irene (Lisboa, Pimentel) e Maria (Ondina Braga, Judite de Carvalho) fazendo do espaço da cozinha, do trabalho obscuro e da paciência infinita, as linhas dum tempo e dum Mundo que às vezes até se detém nas receitas como a sopa de peixe: «cortava-se a cabeça ao pargo ou à garoupa. Levava-se ao lume com cebola, batatas às rodelas, um tomate se era tempo dele, um ramo de cheiros e um fiozinho de azeite.» No eléctrico 16 entre Belém e Xabregas o mundo começa no seu espaço («Devia era haver um passe social!») e vai até África. Seja na memória dos estudantes («evocavam praias, casas, criados») seja na guerra colonial: «Um avião a cair no Negage. A barcaça que se virava na Guiné. Os feridos eram trazidos de madrugada do aeroporto para o Hospital Militar». Sem esquecer a ligação entre o anos 50 e a situação actual: «Os meus pais têm dívidas! Foram despedidos! Inscritos no Banco Alimentar!» Um livro, um eléctrico, um bairro, uma cidade, um país, um certo tempo português que vem de 1945 até hoje. Inesquecível, este livro. (Editora: Divina Comédia, Texto contracapa: Miguel Real) José do Carmo Francisco --

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por José do Carmo Francisco às 10:04

Domingo, 29.09.13

damas de carvão na «pátria da chuva» de fernando alves

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Nestes quatro dias a paisagem verde deixou-se povoar aos poucos pela chuva. Ela veio devagar dos lados das Corgas e da Sarzedinha, arrastou uma nuvem escura pelo Braçal de Baixo e pela Amoreira até ao Vale d´Urso, segundo a geografia da ribeira. Os primeiros pingos empurraram o pó do ar para o asfalto, os animais domésticos procuraram refúgio nas arribanas, nos palheiros e nos lugares mais protegidos dos quintais das casas. Aos poucos a chuva engrossou e de pingos passou a bátegas fortes, quase cordas tropicais de chuva africana a sério. Na sapataria da Sobreira Formosa a água barrenta quase galgou o passeio onde fui a correr comprar sapatos novos. E a loja sem Multibanco. De súbito aparece a Exposição «Damas de carvão» na Galeria Municipal de Proença-a-Nova. São retratos feitos por Ana Paula Ribeiro de um grupo de mulheres da Costa do Marfim nas tarefas transparentes de inventar carvão a partir de desperdícios de uma serração de madeiras. Na manhã de todos os dias, elas convocam o esforço de juntar madeira, fazer o fogo lento que origina o carvão e, por fim, o sentido do dever cumprido quando separam a cinza do carvão com valor comercial. Porque já é uma mercadoria. O seu sorriso que a máquina guardou é alegria insólita no seu tempo desolado e triste. Nada as defende, respiram o anidrido carbónico, queimam os pés mas acabam sempre a sorrir num desafio ao destino e numa procura de emendar o conformismo. As mulheres de África e o seu fogo fazem o contraponto com a pátria da chuva na Beira Baixa. Estão aqui quatro elementos (água, terra, fogo, ar) e com eles se pode construir um texto novo para um Mundo diferente. Vamos partir. Podemos talvez encontrar o Adelino no caminho, ele já chamou o carro de praça e nesta aldeia da pátria da chuva não há tabernas. José do Carmo Francisco --

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por José do Carmo Francisco às 18:33

Quarta-feira, 25.09.13

antónio cabrita num retrato quando jovem

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António Cabrita e os «diálogo confidenciais» do JL Ontem de manhã na estação da CP do Cais do Sodré, ao apanhar o comboio para Oeiras onde ia buscar o recibo verde electrónico emitido pelas meninas Rute e Carla num simpático escritório ao lado da Fundição, uma rapariga africana pediu-me que a acordasse em Algés. Ia dormir uns minutos, tal como no livro «A maldição de Ondina» de António Cabrita; hoje está previsto o seu lançamento na Rua da Horta Seca nº 40 R/c em Lisboa lá pelas 19 horas. Esta fotografia de António Cabrita muito jovem, tirada em 1977 ou 1978, tem uma particularidade: por essa altura publicava ele o seu livro inicial e eu dava os primeiros passos no chamado jornalismo cultural, começando a publicar no Diário Popular com Jacinto Baptista a quem fui apresentado por Carlos Pinhão. Anos depois estava o António Cabrita no JL quando me propôs uma entrevista com o título geral de «diálogos confidenciais» mas essa entrevista nunca foi publicada no JL. Saiu no jornal Sporting na coluna «As palavras em jogo» mas Carlos Pinhão repreendeu-me dizendo que o texto recusado pelo JL não devia ser publicado noutro jornal. Tinha razão como sempre. Havendo uma tão grande diferença de idade (eu – 1951, António – 1959) a verdade é que sempre estivemos próximos mesmo com a geografia a separar. O nosso reencontro foi uma festa. Eu já sou um dinossauro, basta ver que o meu primeiro livro (Iniciais – Moraes Editores) está na montra do senhor Chaminé da Mota no Porto por 18,50 euros ao lado de um livro do Raúl de Carvalho. O António é um jovem, eu estou na curva descendente da vida. Mas ainda fui a tempo de emendar a tal história da entrevista vetada no JL – integrei um poema de José Carlos de Vasconcelos na antologia O Trabalho – Antologia Poética edição com Joaquim Pessoa e Armando Cerqueira nos três Sindicatos dos Bancários. José do Carmo Francisco --

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por José do Carmo Francisco às 09:05

Segunda-feira, 23.09.13

«um homem abre o seu punho e ri» - ramos rosa

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No seu primeiro livro publicado em Faro no ano de 1958 («O Grito Claro» – Colecção A Palavra) António Ramos Rosa (1924-2013) falava da morte mas também do seu resgate: «Em qualquer parte um homem / discretamente morre. / Ergueu uma flor. / Levantou uma cidade. / Enquanto o sol perdura / ou uma nuvem passa / surge uma nova imagem. / Em qualquer parte um homem / abre o seu punho e ri.» Não foi por acaso que há dias, numa tertúlia, o poeta Zetho Cunha Gonçalves se referiu aos prémios que António Ramos Rosa não ganhou e bastam três livros seus para os justificar: «Ciclo do cavalo» (Limiar), «O incêndio dos aspectos» (Regra do Jogo) e «Boca incompleta (Arcádia). Por mim sinto algum orgulho em ser seu leitor e também companheiro de colecção em O MIRANTE com (entre outros) João Rui de Sousa, Pedro da Silveira e José Alberto Marques. Mas também sou seu colega de catálogo no Círculo de Poesia da Moraes Editores. Adoptei como divisa na vida um verso seu (Não posso adiar o coração) e visito muita vez o «Poema dum funcionário cansado»; situação que eu vivi entre 1966 e 1996 num Banco da Rua do Ouro não muito longe dos Restauradores onde António Ramos Rosa trabalhou na UTIC, uma empresa de carroçarias com oficinas em Cabo Ruivo. Vejamos o poema: «A noite trocou-me os sonhos e as mãos / dispersou-me os amigos / tenho o coração confundido e a rua é estreita / estreita em cada passo / as casas engolem-nos / sumimo-nos / estou num quarto só num quarto só / com os sonhos trocados / com toda a vida às avessas a arder num quarto só./ Sou um funcionário apagado / um funcionário triste / a minha alma não acompanha a minha mão.» Fiquemos por aqui, a Poesia continua! José do Carmo Francisco --

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por José do Carmo Francisco às 20:19

Segunda-feira, 23.09.13

curandeiro disse que tem muito dinheiro em casa de mano

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A maldição de Ondina que dá título ao livro, não é ficção: «Um golfinho só pode adormecer um dos lóbulos cerebrais, o outro está em vigília para lhe manter o automatismo das funções vitais, como a de assomar à superfície de cinco em cinco minutos para respirar.» É nessa maldição como metáfora do seu Mundo que repara Raul (polícia), amigo de César (escritor) desde o quinto ano do liceu: «Olha o desenho que as balas fazem. É a constelação do golfinho.» Dito de outra maneira - embora nesta história se cruzem três linhas (o amor, a literatura e a acção), de comum a estes três eixos narrativos existe o pano de fundo dum território (África) onde não se pode dormir: «O anel mágico torna as pessoas felizes e generosas durante algum tempo até que se dão conta de que não conseguem passar a vida a só desejar o bem, que mais vezes do que gostariam desejam o mal de terceiros.» Por isso em África tudo é diferente, pensa Raúl: «É o que mais lhe custa desde a guerra, ver como a doença e o crime não deixaram de engrossar o exército de órfãos em que o país se tornou.» Além da história policial (César e Raul) e da história de amor (Argentina e Beatriz), a narrativa introduz outras figuras (Aurora, Filipa) e resgata da tela uma actriz (Rita Hayworth) que salta da ficção para a Ilha de Moçambique. Mas também existe a reflexão de Beatriz: «Acreditei durante muito tempo que a literatura era uma coisa e a sociedade outra. A literatura é uma coisa benigna e fechava os olhos ao resto. Hoje já não consigo separar os livros das suas condições de produção.» E Beatriz conclui: «Estás a ver a grandeza moral dum fedelho de 17 anos com a quinta classe a quem a vida só pisou, que é comida e cuspida por um safado com o dobro da idade e que tira as consequências morais dos seus actos… Senti-me uma charlatã: interessava-me mais um novo livro de Mia Couto do que conhecer o inferno que ele resgatava…» Percebe-se no fim destas 233 páginas que a vida em África é difícil, complicada e problemática, há por aqui um assassino que deixa no bolso das vítimas uma frase de Albert Camus, uma mulher com a mão feita em sal, os feitiços e os espíritos (gente invisível) tudo fazem para que não haja descanso na vida dos atónitos espectadores da narrativa. Como atónita está a viúva da página 19 a ouvir os cunhados partirem a mobília da sua casa porque «Curandeiro disse que tem muito dinheiro em casa do mano…» (Editora: Abysmo, Ilustrações: João Maio Pinto, Posfácio: Nazir Can, Revisão: Raul Henriques) José do Carmo Francisco --

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por José do Carmo Francisco às 09:50

Quinta-feira, 19.09.13

eça de queirós escrevia excepto - fernando venâncio concordará?

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Estou numa sala de espera de um Hospital e oferecem-me um desdobrável de quatro páginas sobre o «bacalhau da Noruega» com o título de «Portugal Noruega Uma relação longa e saudável entre o Norte e o Sul da Europa». Por baixo e a verde «Marketing y Cultura» em vez de Marketing e Cultura; isso talvez explique o problema inicial do folheto. O texto arranca com «O bacalhau é por demais apreciado nos países do sul da Europa». Este «por demais» está errado e cheira-me a castelhano traduzido em alta velocidade. De facto «demais» significa «os outros». Neste caso deve ser «de mais» no sentido de «muito» tal como «de menos» tem o sentido de «pouco». Julgo que Fernando Venâncio concordará. Outro assunto é de concordância no interior do texto. Na abertura o bacalhau é chamado pelos portugueses «príncipe dos mares» mas no segundo parágrafo já é chamado o «pão dos mares». Ora príncipe não é pão nem pão é príncipe. Julgo que Fernando Venâncio concordará. A cereja no topo do bolo surge com a referência a Eça de Queirós. Chamam-lhe «brilhante romancista» que é um lugar comum embora no seu tempo o mais brilhante romancista para os leitores da época fosse o Pinheiro Chagas mas isso é outra história. Onde a porca torce o rabo é na citação de uma frase de Eça de Queirós: «francês em tudo exceto num certo fundo sincero de tristeza lírica, num gosto depravado pelo fadinho e no justo amor pelo bacalhau de cebolada». Ora no tempo de Eça não havia felizmente o Aborto Ortográfico e Eça escrevia «excepto» nunca «exceto», como estes senhores do bacalhau da Noruega querem que ele tenha escrito. Eça de Queirós escrevia excepto. Com toda a certeza. Fernando Venâncio que é professor universitário, vive e trabalha em Amsterdão, concordará? Espero que sim. José do Carmo Francisco --

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por José do Carmo Francisco às 10:33

Quarta-feira, 18.09.13

no próximo dia 21-9-2013 com a associação aldraba

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No texto anterior sobre o trajecto proposto para a viagem no próximo dia 21-9-2013 com a Associação ALDRABA, entre o Largo do Mitelo e o Rossio, ficou de fora uma hipótese: trata-se de fazer uma viagem a pé entre o cruzamento da Calçada de Santana com o Beco de São Luís da Pena e a Rua das Portas de Santo Antão. Existe o Grupo Desportivo da Pena com as suas instalações diversas e, sempre a descer, passamos por uma porta do que foi em tempos o Clube dos Palhaços Portugueses, muito perto da porta de entrada de Artistas do Coliseu dos Recreios de Lisboa. O destino dos Palhaços não sei mas, com clube ou sem clube, eles estão por aí e bem activos. Ao chegar cá abaixo deparamos com a bela igreja de São Luís dos Franceses, já na Rua das Portas de Santo Antão. Se quisermos prosseguir e não pagamos mais por isso, podemos ir até à Rua da São José para vermos ao menos a fachada da igreja de São José dos Carpinteiros. Assim chamada mas sem esquecer que os pedreiros estão bem presentes nos seus instrumentos de trabalho em baixo relevo na fachada principal do templo. Procurando a parte da sacristia da dita igreja podemos ver na rua ao lado, rua estreita que sobe até ao Campo de Santana, uma porta bem trabalhada ao cima do qual se distingue uma árvore e um compasso. Podemos acrescentar que o Goethe Institut e a Embaixada Alemã estão no Campo de Santana desde 1970, que a vida de Câmara Pestana foi breve (1863-1899), qua a antiga Repartição de Finanças deu lugar a um Centro de Formação da Autoridade Tributária e Aduaneira e que ao lado do Instituto do mesmo nome do seu fundador se encontra um prédio adquirido em 1928 para o Ministério da Educação Nacional. Foi no tempo da Ditadura Militar, coisa que lá permanece anunciada em placa metálica. José do Carmo Francisco --

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por José do Carmo Francisco às 13:05

Sexta-feira, 13.09.13

e as nós moradores, quem nos defende da câmara?

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Parece de propósito – Valentín Mateve foi uma vítima do barulho Há coisas diabólicas nesta cidade onde vivo desde 1966, faz agora 47 anos. Logo por azar no dia em que escrevi e publiquei neste Blog uma breve nota sobre a música de todo o Mundo interpretada por Valentín Mateve aqui em São Pedro de Alcântara mas também na Net (www.myspace.com/valentinmateve) pois foi ontem dia 12 de Setembro que ele se sentiu expulso do Miradouro. Tudo porque estava a decorrer uma barulhenta sessão de algo como um «evento». Eles chamam «evento» a tudo e mais alguma coisa. Por aqui pelo Bairro Alto ia uma confusão organizada: gente na rua de copo na mão, muito barulho, muita iluminação, o Príncipe Real em roda livre, centenas de pessoas ao telemóvel a gritar, enfim um pandemónio. Na Rua da Rosa o barulho era tal que parecia abanar os alicerces das nossas casas. Tudo isto, todo este atropelo aos direitos dos moradores, parte de um princípio errado: a CML trata o espaço público como se fosse sua propriedade e vende o mesmo espaço de acordo com uma ideia de merceeiro – é para quem dá mais. Temos então os vereadores e o presidente da CML nas mãos dos industriais do álcool. O que se passa no Cais do Sodré ultrapassa em muito o imaginável: a CML vendeu uma rua a uma empresa de bebidas, uma multinacional estrangeira. Para tal fechou essa rua ao trânsito e pintou o asfalto negro de cor-de-rosa. Aqui há anos um «senhor» fez obras ilegais num prédio que fez aumentar a volumetria do mesmo me tapou a vista do Rio Tejo que eu tinha desde 1976 na minha cozinha. Tentei queixar-me na Assembleia de Freguesia mas disseram logo que não valia a pena: o Gabinete do Bairro Alto nada fazia porque nada queria fazer. Sempre era um «senhor» e eu apenas um «trabalhador». A pergunta fica no ar: e a nós moradores, quem nos defende da Câmara de Lisboa? José do Carmo Francisco --

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por José do Carmo Francisco às 15:39

Sexta-feira, 13.09.13

fialho de almeida «no nosso tempo a honra é conforme»

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«Os jornalistas e outras pasquinadas» de Fialho de Almeida Fialho de Almeida (1857-1911) nasceu em Vilar de Frades (Alentejo) e entrou em 1866 para o Colégio Europa no Conde Barão mas em 1872 foi trabalhar durante sete anos na farmácia do Largo do Mitelo: «Davam-me três horas aos domingos para oxigenar os pulmões cansados de respirar fedentinas de drogas e ervas podres; a minha alimentação era uma berundanga que sobrava do jantar da família do patrão». Para ele a glória é um equívoco: «a gloríola ganha sem trabalho espatifa-se em bagatela como dinheiro do jogo». Se lhe sugerem um grande romance, Fialho responde: «depois da obra feita não há em Portugal senão trezentas pessoas capazes de pagar até seis tostões por exemplar.» E termina a sua autobiografia de forma lapidar: «Na literatura não há nem pode haver palavras sujas. O que há é assuntos sujos, assuntos pulhas, deletérios assuntos que os escritores não inventam e fazem parte do dia-a-dia da cidade». Sobre jornalismo afirma: «O jornalismo é um sítio de passagem e onde cada qual se demora o menos que pode». Sobre os jornais do tempo a ideia: «Os jornais, à parte este ou aquele, quase todos foram fundados para a aerostação política dum nome, para a defesa dum sindicato ou para fazer ganhar dinheiro a um imbecil.» Sobre jornalistas o seu conceito repudia o arrivista («enérgico, pimpão, lesto em moral, intransigente em fórmulas de honra») e conclui com alguma tristeza: «dêem-me seis que tenham passado a vida a defender os interesses do povo sem fazer da redacção elevador opara uma aposentadoria; dêem-me quatro onde eu escolha um grande homem de letras.» Moral da história: «Ninguém exige um passado a estes charlatães como garantia de futuras responsabilidades. É aparecer o primeiro entregamos-lhe logo as chaves da cidade, sem vistoria prévia à isenção dos seus propósitos». Sobre a Justiça na Boa-Hora: «No nosso tempo a honra é conforme. Tem-se razão conforme a argúcia do advogado que nos serve. Desmandos imperdoáveis na classe baixa são leviandades apenas na classe média e, daí para cima, qualidades!» Sendo a sociedade «chata e medíocre» Portugal é um país de curiosos: «Os advogados curam de questões agrícolas, um engenheiro tem nas mãos a directoria da agricultura, o empresário da ópera lírica é um lavrador, no parlamento os padres tratam de assuntos militares e os militares de assuntos eclesiásticos».

(Editora: Palimpsesto, Capa: Matilde Urbach sobre imagem de João Lucas) José do Carmo Francisco --

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por José do Carmo Francisco às 09:36

Quinta-feira, 12.09.13

antónio costa - das palavras bonitas à política de terra queimada

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Estou a ouvir em casa depois de ter ouvido em São Pedro de Alcântara a música de Valentín no CD «Los dias de Madrid». Este homem sereno, este músico sensível que vem dum humilde bairro de Buenos Aires (Chacarita) onde existe um clube de futebol e um cemitério, este argentino discreto toca, de modo encantatório, uma mistura de clássicos (Schubert) e de modernos (Lennon, Mc. Cartney, E. Clapton, Sting) sem esquecer a América do Sul (García, Yupanki, Rodriguez) e os seus temas: «Vicente López Plaza, La Estudio, Los dias de Madrid e Retiro en el parque». Parece que isto está ligado às palavras de António Costa num CD da Metropolitana de Lisboa: «A cidade é feita de pessoas, de memórias, encontros, mundividências transformadas em formas e expressões de cultura de culturas diversas que importa preservar e renovar, acompanhando e impulsionando a sua incessante dinâmica de modernidade.» Mas não. Porque para António Costa e para a sua equipa os moradores da cidade não contam para nada ao lado dos interesses do submundo dos negócios. Basta ver a descontracção com que se movimentam nas nossas ruas os vendedores de álcool para consumo nas ruas do BA, basta ver as portas abertas de «bares» de onde sai um som diabólico, sinistro e ilegal numa espécie de concurso a ver quem grita mais alto, basta ver alguns «bares» sem casa de banho porque a sua área é inferior à de uma casa de banho, um BA feito terra queimada, mistura entre a favela brasileira e o bairro pobre de Banguecoque já com os seus Tuk Tuk mas ainda sem as meninas de 12 anos à porta. Mas já faltou mais; os empreendedores ao lado da pobreza vão lá chegar. Entretanto o «zé que não faz falta nenhuma» lá continua activo na CML; tão activo como o submundo dos negócios do álcool. Agora no Cais do Sodré. José do Carmo Francisco --

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por José do Carmo Francisco às 16:39

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